Health and Social Security in a divided house

CATÓLICA-LISBON
Friday, January 17, 2025 - 10:00

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Dois casos de como a Segurança Social gera efeitos negativos no Serviço Nacional de Saúde, e de como o Serviço Nacional de Saúde gera efeitos negativos na Segurança Social.

Apesar de gastar cada vez mais dinheiro, de empregar cada vez mais funcionários e de sufocar a sociedade e a economia com cada vez mais regulação, os resultados do funcionamento do Estado deixam muito a desejar. Há problemas transversais, como a má gestão dos serviços, o absentismo dos recursos humanos e o desperdício de dinheiro. Estes problemas são ainda mais óbvios quando examinamos áreas específicas.

O desempenho do Serviço Nacional de Saúde (SNS) deteriorou-se nos últimos dez anos e não parece estar perto de uma recuperação. A Segurança Social (SS) caracteriza-se por uma má qualidade de serviço e é governada como mera fonte de brindes eleitorais na forma de aumentos extraordinários das pensões. Mas comprar votos agora significa um agravamento substancial dos problemas de sustentabilidade no futuro.

Os maus resultados do Estado têm várias origens, mas uma das principais causas das falhas do Estado é o próprio Estado! Mais precisamente, a má governação nalguns setores tem implicações negativas para outras áreas da governação.  No caso português, o Estado multiplica e deixa por corrigir as suas próprias falhas!

Para tornar esta ideia mais clara, vejam-se dois casos de como a SS gera efeitos negativos no SNS e de como o SNS gera efeitos negativos na SS, situações que só tenderão a piorar com o tempo devido ao processo de envelhecimento da população portuguesa.

Primeiro exemplo: os internamentos sociais.  Os hospitais do SNS são afetados por um número elevado de internamentos sociais: os doentes já tiveram alta clínica, mas permanecem no hospital porque não encontram acolhimento noutro local. Um hospital é uma instituição de alta tecnologia com custos elevados. Uma estadia hospitalar para quem já teve alta clínica não só é caríssima ao país como prejudica as pessoas aí retidas, por exemplo, pelo risco de desenvolverem infeções hospitalares.

De acordo com os dados do Barómetro dos Internamentos Sociais, em março de 2024 havia 2164 camas ocupadas por internamentos sociais, cerca de 11,1% dos internamentos do SNS. Terão ocorrido 378 068 dias de internamento inapropriado em 2024, com um custo anual que pode ultrapassar os 260 milhões de euros.

A transferência destes doentes, após a sua alta clínica, para outras estruturas representaria um ganho duplo: as pessoas agora internadas seriam acolhidas em ambientes humanamente muito mais apropriados e haveria uma enorme redução de custos para o país. Então porque é que essa transferência não ocorreu? Uma grande parte do problema resulta da falta de capacidade da rede Nacional dos Cuidados Continuados e Integrados (RNCCI), subfinanciada pelos Ministério da Saúde e pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e sobretudo da falta de capacidade das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), os lares, cujo financiamento público recai sobre a SS.  Ao não responder a estas necessidades, a SS poupa uns dinheiros, mas, por cada 1 euro que a SS poupa, o SNS gastará, muito provavelmente, mais de 6 euros. Além de prejudicar as pessoas envolvidas e os contribuintes, a falta de resposta da SS prejudica o acesso dos portugueses aos hospitais por contribuir para a sua congestão e para a indisponibilidade de camas. O subfinanciamento dos lares e de outras estruturas gera enormes desperdícios e não se compreende que a SS tome decisões com vistas tão curtas. Em vez do Estado estar a corrigir uma falha do setor privado, uma parte do Estado está a criar enormes problemas para o Estado no seu todo!

O segundo exemplo mostra que o desperdício também é causado na direção oposta. Os tratamentos disponíveis no SNS dependem de escolhas feitas por critérios clínicos e por (supostos) critérios de eficiência económica. Na avaliação oficial de novos tratamentos e tecnologias em saúde ocorreu um retrocesso grave em 2019 que tarda a ser corrigido. A adoção pelo SNS de uma inovação médica (medicamentos, dispositivos, cirurgia, etc.) tem em conta os ganhos de saúde que a inovação proporciona e os seus custos apenas para o Ministério da Saúde. Imagine-se que um novo tratamento reduz os custos da SS, diminuindo as despesas com subsídios por doença ou as reformas antecipadas por invalidez e aumenta as receitas da SS ao manter os trabalhadores ativos e a contribuir. Quanto valem esses ganhos para a SS na forma como o Ministério da Saúde toma decisões? Zero! Os efeitos de um tratamento na SS não contam em nada para a decisão sobre se tal tratamento será adotado e financiado pelo SNS.

Um dos maiores problemas de saúde que Portugal e outros países também têm são as dores nas costas, já que elas têm um enorme impacto negativo no bem-estar das pessoas afetadas e na sua participação ativa no mercado de trabalho. Este tipo de dor leva a absentismo laboral no curto prazo e a saída prematura para a inatividade no longo prazo. Imaginem que uma inovação médica reduz significativamente os dias de baixa das pessoas com dores nas costas bem como o recurso a reformas antecipadas. Quanto é que isso vale para o Ministério da Saúde tendo em vista os ganhos da SS? Nada! Ou seja, há uma probabilidade significativa de tal inovação não ser adotada em Portugal apesar de ter o potencial de contribuir positivamente para as contas públicas. O Ministério da Saúde toma decisões com vistas curtas e os custos que poupa por não financiar novos tratamentos são potencialmente muito inferiores aos custos gerados para a SS, para não referir sequer os custos para a sociedade em geral e para a economia.

Com a SS a gerar problemas para o SNS e com este a retribuir o “favor” ignorando os efeitos das suas decisões na SS, é de espantar que a performance do Estado nestas áreas seja tão má?

Miguel Gouveia, Professor da CATÓLICA-LISBON