Falar a sério sobre Fiscalidade e Trabalho

Imprensa
Terça, Janeiro 25, 2022 - 10:00

A Economia tem sempre o dom de nos surpreender, a todos e aos economistas em particular. Havia o receio do emprego vir a reduzir-se significativamente nas Economias avançadas. Com o acelerar da digitalização e da automação dos processos produtivos, impulsionado pelo uso de inteligência artificial em cada vez mais setores da Economia, haveria no futuro cada vez menos emprego, ao ponto de se pensar num rendimento mínimo universal ou em horários de trabalho semanal cada vez mais reduzidos.

No entanto, ao contrário da esperada queda da oferta de emprego remunerado, estamos a assistir na generalidade dos países desenvolvidos a uma crise de falta de mão de obra sem precedentes, que é transversal à Economia e afeta também Portugal que tem atualmente uma taxa de desemprego de 6.5% que é das mais baixas da história da democracia. Nos países com o mercado de trabalho mais flexível, a taxa de desemprego está abaixo dos 4%, ou seja, em situação de pleno emprego. Só nos países mediterrânicos com mercados de trabalho muito rígidos, como a Espanha e Grécia, o desemprego está ainda acima dos 12%.

As razões desta situação são múltiplas, algumas estruturais, outras conjunturais. Em termos de razões estruturais, o envelhecimento da população, com a consequente redução em cada geração do número de jovens que entra no mercado de trabalho, tem reduzido a oferta de mão de obra, o que em Portugal é duplamente afetado pela maior percentagem de jovens que continua os estudos no ensino superior, adiando a sua entrada no mercado de trabalho. A transição digital e demográfica destrói empregos em alguns setores (banca, seguros, professores de ensino básico) e cria emprego noutros (programação, enfermagem, serviços aos idosos), mas não é fácil a requalificação dos trabalhadores e transferência intersectorial. Entretanto setores baseados em trabalho manual (agricultura, indústria, construção, turismo, retalho, serviços técnicos) não conseguem recrutar trabalhadores suficientes para manter as suas operações, muito menos para expandir a atividade. Os limites à emigração causados pela pandemia e a generosa política de subsídios ao rendimento e manutenção de emprego para minorar o impacto da pandemia são algumas das razões conjunturais da redução da oferta de mão de obra nos setores que estão a tentar crescer.

Esta situação está a causar em Portugal uma escassez de mão de obra que prejudica a retoma económica. A oferta de mão-de-obra é, portanto um bem cada vez mais escasso na economia. Uma economia só cresce ou com aumentos de produtividade ou com aumento do número de pessoas empregadas. Neste contexto, é de esperar e desejar um aumento de salários que torne o trabalho mais atrativo e que encoraje mais pessoas a regressarem à vida ativa, a fazerem o esforço de requalificação, a não emigrarem ou a regressarem para fazer a sua carreira em Portugal. Esse aumento de salários vai acontecer a curto prazo na Europa e aumentar ainda mais as pressões inflacionistas na economia. No entanto há um problema grave em Portugal que vai prejudicar uma forte criação de emprego – a elevadíssima fiscalidade sobre o trabalho.

Hoje em dia, ao adicionarmos a TSU média do empregado (11%) e do empregador (23.75%) mais o IRS cobrado a taxas progressivas que chega rapidamente a 28.5% para salários mensais superiores a 800 euros, chegamos a uma fiscalidade sobre o trabalho superior a 50% para praticamente todos os salários acima do mínimo e de 65% para os salários acima de 2650 euros mês. Ou seja, uma empresa para conseguir pagar mais 50 euros de salário líquido a um trabalhador tem de gastar de 100 a 150 euros em massa salarial.

Ou seja, há um bem que é escasso na economia que é o trabalho remunerado. Desse bem depende o bom funcionamento das empresas e o bem-estar dos cidadãos através da sua realização pessoal e de um salário líquido decente. Desse bem escasso depende também o nosso crescimento económico pelo aumento de pessoas que desejam trabalhar em Portugal e pelo aumento dos salários. E, ironicamente e ridiculamente, esse bem escasso tão importante é taxado pelo Estado com uma fiscalidade superior a 50% e que chega rapidamente aos 65%!

É de salientar que a fiscalidade é elevada em Portugal em todas as áreas, estando Portugal na posição 34ª em 37 países da OCDE, segundo um estudo sobre competitividade fiscal da Tax Foundation de 2021. Mas a tributação média do IVA sobre o consumo é de 23% e, ao contrário do que se pensa, o consumo não cria riqueza de forma estrutural pois parte do consumo é canalizado para importações - é a produção que cria riqueza. Quanto à produção, que as empresas paguem sobre os seus lucros anuais taxas médias de IRC de 21% parece também razoável, além de que o capital não é neste momento no Mundo um bem escasso da mesma forma que é o trabalho (a contrastar com a escassez de mão de obra a nível mundial existe abundância de capitais disponíveis à procura de investimentos). No campo da fiscalidade das empresas, mais penoso que a taxa do IRC é a complexidade do sistema fiscal com numerosas pequenas taxas e impostos às empresas, sistema que merece simplificação.

Acredito, pois, que o grande problema da fiscalidade em Portugal e que limita o nosso crescimento económico e o aumento médio dos salários não é o IVA nem o IRC, mas sim a fiscalidade sobre o rendimento das pessoas e em particular sobre o trabalho na combinação de IRS e TSU. Isto tem de ser resolvido sob pena de condenar Portugal ao fracasso económico pelo desincentivo ao trabalho e ao esforço.

O problema da elevadíssima fiscalidade sobre o trabalho pode ser resolvido de diferentes formas como proposto pelos diferentes partidos – seja pela aplicação de uma ou duas taxas únicas de IRS que incentiva o aumento dos salários ao reduzir a progressividade e taxa média do imposto, seja pela aplicação de um quociente familiar que desonere de forma significativa o IRS das famílias que escolhem ter filhos (o que é justo e ajuda a resolver o nosso problema demográfico), seja pela manutenção do sistema atual mas com escalões de maior amplitude ou taxas por escalão mais baixas (o que não está a ser equacionado e é pena). Esse é um tema de detalhe do modelo de fiscalidade. O importante é que a redução da fiscalidade sobre o trabalho beneficie os Portugueses globalmente e não apenas alguns segmentos como os muito pobres, os muito jovens ou os não residentes habituais. É fundamental que em Portugal deixe de existir a loucura económica de ser cobrada uma taxa entre 50% a 70% por um bem escasso que cria valor económico e do qual depende o nosso futuro coletivo e bem-estar individual que é o trabalho de cada um de nós.

 

Professor Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON