Iniciaram-se as negociações entre os partidos para a preparação do OE 2026 e, como habitualmente, as questões fiscais aparecem como preocupações prioritárias, geradoras de linhas vermelhas e manobras de bastidores. É um infortúnio que as decisões fiscais sejam o foco da discussão anual do orçamento, em vez de existir um largo consenso partidário e forte estabilidade sobre matérias fiscais. Países que o conseguiram, como a Irlanda, criam segurança e estabilidade para investidores e residentes, o que eva à aceleração do investimento e do crescimento económico.

No entanto, aqui estamos nós no ciclo anual de discussões sobre impostos. Felizmente, entramos neste ciclo com uma posição orçamental invejável, com expetativa de novo excedente das contas públicas em 2025, situação rara na Europa em que as nuvens de uma nova crise das dívidas soberanas se perfilam no horizonte, com foco desta vez no coração da Europa, nomeadamente França e possivelmente Bélgica e Itália por contágio.

Embora o Governo esteja a usar a folga existente para negociar com a oposição reduções cirúrgicas no IRS e no IRC, uma discussão mais alargada e estratégica sobre política fiscal seria importante. É que, apesar da excelente situação orçamental portuguesa, suportada pelo crescimento económico e aumento do emprego, há também nuvens no horizonte alargado. A forte redução dos fundos Europeus de Coesão já a partir de 2028 por causa do fim do PRR (em junho de 2026) e do Portugal 2030 (em dezembro de 2027) irá colocar pressão no orçamento público que atualmente conta com fundos europeus para a maioria do seu investimento. Investimento esse que terá de aumentar, frutos dos compromissos em matéria de Defesa, bem como o aumento de gastos com pensões e cuidados de saúde provocado pelo envelhecimento da população. Donde virão os impostos para suportar estes custos e investimento futuros? É que mesmo um crescimento real de 2-3% do PIB (com inflação a 2%) não será suficiente.

De um total de receitas fiscais do Estado previstas de 63.3 mil milhões em 2025, uma fatia de 40% vem do IVA. Mas com taxas de 23%, das mais altas das Europa, e sendo um imposto regressivo, não é provável que se consiga aumentar muito a receita de IVA para além do crescimento nominal do PIB de cerca de 5% ao ano.

De seguida, em termos de importância no total da receita, vem o IRS com uma fatia de 26.2%, mas as taxas marginais de IRS já são elevadíssimas para rendimentos médios e médios altos, sendo que a tendência será de reduzir o IRS para segmentos específicos da população, como é o caso do IRS jovem e devia ser também o caso das famílias com filhos, que atualmente sofrem uma carga enorme de impostos face às despesas do agregado familiar. Assim, é de esperar que a receita do IRS se reduza com o aliviar das taxas, como já se prevê este ano.

Em terceiro lugar aparece o IRC com 17% da receita fiscal, mas as negociações atuais vão no sentido de descidas pequenas mas progressivas do IRC para ganhar competitividade fiscal e atrair investimentos empresariais. A coleta do IRC pode vir a aumentar se a atividade empresarial e os lucros gerados aumentarem, mas não é fácil esse crescimento ser elevado no contexto global atual, em particular com menores taxas.

Finalmente aparecem em quarto e quinto lugar no ranking os impostos sobre os produtos petrolíferos (ISP – 6.6% da receita) e os impostos sobre os “vícios” de consumo (tabaco, álcool, jogo e outros – 4.8%). As taxas destes impostos têm vindo a aumentar e as receitas também. No entanto a eletrificação da frota automóvel tenderá inevitavelmente a reduzir o ISP, a taxa sobre o tabaco já é elevadíssima, e não é fácil alargar a base de coleta do imposto sobre o jogo, uma atividade que abrange cada vez mais pessoas, incluindo muitos jovens no jogo digital e muitos cidadãos menos instruídos no caso dos jogos da Sorte.

A miríade de taxas e taxinhas gera receita mas não muito, com exceção do imposto de selo que continua a pesar no bolso dos portugueses (2.25 mil milhões = 3.5% da receita) fruto da sua base alargada de aplicação onerando com uma taxa adicional as despesas cobradas aos cidadãos.

O IMT tem alguma expressão em termos de receita (cerca de 1.75 mil milhões ) mas é um impostos municipal que onera o investimento (em ativos imobiliários) e desvirtua o mercado pois introduz restrições à compra e venda de propriedades e é fácil de evitar para os imóveis de elevado valor, transacionando não os imóveis mas as empresas que os detêm. Já o IMI, que é pago anualmente pelos proprietários de imóveis aos municípios a taxas média entre 0.3% a 0.45% sobre o valor patrimonial, gera também cerca de 1.65 mil milhões, existindo ainda o adicional ao IMI para as propriedades mais caras que reverte para a segurança social.

Para aumentar os impostos fala-se consistentemente em alargar os impostos sucessórios (que geram hoje uma quantia irrisória) ou criar impostos sobre fortunas. No entanto, atualmente as pessoas são móveis e as fortunas também. E os milionários e as grandes fortunas são especialmente móveis e têm bons consultores fiscais. Impostos deste tipo são altamente complexos de cobrar, levam à fuga de capitais do país e são inconsistentes com a política que tem sido seguida (e bem) de atrair capital humano qualificado e pessoas com elevado património. Quem acaba por pagar estes impostos são os cidadãos portugueses que trabalharam toda uma vida e pouparam para garantir o seu futuro, apesar de sofreram taxas efetivas de impostos perto de 50%, e agora ainda iriam pagar impostos sobre o dinheiro que conseguiram poupar. É um caminho injusto e ineficaz.

Mas então o que nos resta como opções para aumentar a base de recolha de impostos de forma justa, eficaz e sustentável? O melhor caminho seria um aumento substancial dos impostos sobre o património imobiliário (terras e edificações), o qual está identificado, é possível conhecer e atualizar o seu valor patrimonial e não vai a lado nenhum (pois está preso ao chão ou é o chão). O IMI é na prática uma imposto anual que se aplica sobre propriedades. As propriedades tiveram uma valorização enorme na última década e um aumento do IMI seria justo pois transferia rendas económicas dos proprietários beneficiados com essas valorizações, para o Estado que poderia assim financiar descidas no IRS das famílias que gostariam de aceder à habitação. Alinhado com o aumento da taxa de IMI e atualização de valores patrimoniais ao mercado poderia haver uma redução da base do IMI por cada membro do agregado familiar que declarasse essa habitação como própria e permanente. Isso impediria que a maior parte dos cidadãos pagasse mais impostos por viver na sua casa, exceto aqueles com propriedades mais caras ou que as usam para arrendar, o que é justo.

A habitação de luxo é hoje um setor em elevado crescimento. Em vez de matar esse setor criando restrições na compra de terrenos e habitações caras, é mais inteligente cobrar um renda anual mais elevada pela posse dessas propriedades, renda essa que permite, por exemplo, aos municípios financiar a construção de habitação social. Devia-se naturalmente dividir a receita do IMI entre as autarquias (eventualmente com um mecanismo de compensação) e o estado central, existindo já o modelo do Adicional ao IMI que pode ser uma referência.

Em Portugal, queremos um sistema fiscal mais justo (que reparta os custos por aqueles que mais têm), eficaz (que não desvirtue o mercado nem mate a Economia) e sustentável (que suporte os investimento futuros). Esse é um sistema em que se implemente um aumento significativo dos impostos sobre o património imobiliário que poderão gerar uma receita muito superior à atual sem desvirtuar a Economia.

Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON