As empresas familiares estão em todo o lado: nos cafés de bairro, nas grandes marcas nacionais e até entre os líderes de mercado internacionais. Geram riqueza, emprego e carregam consigo histórias de esforço e legado. Mas ao mesmo tempo, vivem cercadas de mitos — ideias feitas que, muitas vezes, escondem o seu verdadeiro valor e complexidade.
As empresas familiares — muitas vezes passadas de geração em geração — são o pilar das economias nacionais. Em Portugal, desempenham um papel de destaque no tecido empresarial, com forte presença tanto em negócios locais como em grandes grupos económicos. Ainda assim, apesar da sua importância, continuam a ser alvo de estereótipos, preconceitos e ideias feitas que ofuscam a sua realidade que é complexa e de constante transformação.
Neste artigo, desmontamos três dos mitos mais recorrentes sobre empresas familiares, à luz da investigação académica e da experiência prática. O objetivo? Mostrar que tradição e inovação, família e profissionalismo, não são forças opostas — são, quando bem equilibradas, o segredo para o sucesso.
Mito 1: “As empresas familiares não sobrevivem a três gerações”
É talvez o mito mais difundido. Como Jeff Bezos ilustrou com algum sarcasmo: “Alguns herdam o negócio da família, outros herdam a confusão da família.” Apenas 30% das empresas familiares chegam à segunda geração. Como tantas vezes acontece, os números não contam a história toda. A questão central não está no número de gerações, mas na ausência de mecanismos de sucessão claros, e na resistência a profissionalizar a gestão. A investigação de D’Allura (2019) mostra que a composição e dinâmica das equipas de topo tem impacto direto nos resultados da empresa familiar. A longevidade depende da forma como os processos de sucessão são estruturados, da capacidade de mitigar conflitos familiares e de manter uma liderança com competências reais, não apenas com laços de sangue. Além disso, muitas empresas não desaparecem — transformam-se. Vendem-se, fundem-se, mudam de setor. A “morte” de uma empresa familiar pode ser, na verdade, a sua reinvenção estratégica.
Mito 2: “Para uma empresa ser familiar, é preciso ter um lider da família”
A ideia de que uma empresa só é verdadeiramente familiar se tiver um membro da família na liderança é outro mito. Ao acreditar nesta ideia, ignoramos o que realmente define estas organizações: os valores, o legado, a cultura e o envolvimento da família na propriedade ou gestão estratégica. Warren Buffett captou o problema com clareza: “Alguns dos piores negócios que já vi foram geridos pelo filho do fundador. Alguns dos melhores foram geridos pelo antigo porteiro.” A liderança eficaz não é herdada — é conquistada através de mérito, visão e capacidade de execução. Estudos como o de Vandekerkhof et al. (2019) revelam que a inclusão de gestores não familiares nas equipas de topo pode melhorar a qualidade das decisões, sobretudo quando há diversidade de experiências e uma cultura de colaboração. No entanto, o mesmo estudo alerta para os perigos das assimetrias de poder, quando os gestores familiares detêm participações significativas e os externos não — uma disparidade que pode afetar a coesão e eficácia das decisões. Ainda assim, a investigação mostra que a chave está na diversidade cognitiva: quando os membros da equipa trazem conhecimento e experiências diferentes, o impacto negativo da desigualdade de propriedade tende a diluir-se. Liderança externa não compromete a identidade familiar — pode, pelo contrário, protegê-la.
Mito 3: “As empresas familiares são resistentes à mudança”
Este mito parte da suposição de que tradição e inovação são forças opostas. Como alertava Peter Drucker: “As palavras mais perigosas numa empresa são: ‘Sempre fizemos assim.” Contudo, nas empresas familiares mais bem-sucedidas, tradição e mudança não só coexistem — complementam-se. Uma das grandes forças das empresas familiares é precisamente a sua orientação de longo prazo. Pensando em gerações e não em trimestres, muitas famílias empresárias estão dispostas a investir em projetos de inovação cujo retorno só se materializa com o tempo, como a transformação digital, o desenvolvimento de novos produtos ou a adaptação a mercados internacionais. Outro fator diferenciador é a “familiness” — um conjunto único de recursos e valores como confiança, lealdade, identidade partilhada e compromisso com o futuro (Zahra et al., 2004). Este ambiente propício à colaboração favorece inovações incrementais e culturalmente enraizadas, mais sustentáveis do que mudanças abruptas. Além disso, a colaboração intergeracional é também um motor importante de inovação. Quando bem gerida, permite combinar o conhecimento tácito dos fundadores com a formação técnica e visão atualizada das gerações mais jovens (Woodfield & Husted, 2017), criando soluções originais, mas coerentes com a identidade da empresa. A inovação nas empresas familiares não é, portanto, sinónimo de disrupção súbita — é muitas vezes um processo contínuo, geracional e intencional, sustentado por uma visão de legado e evolução. A resistência à mudança não está no DNA familiar, mas sim na falta de estruturas que permitam inovar com propósito e consistência.
Resumindo e Concluindo…
Os mitos que pairam sobre as empresas familiares resistem… mas não resistem à evidência. Não é o número de gerações que mata um negócio familiar, mas sim a falta de planeamento, de profissionalismo e de capacidade para se reinventar. Não é o apelido no cartão de visita que garante liderança eficaz, mas sim a competência. E não é a tradição que trava a mudança — é a falta de visão.
Para refletir mais a fundo sobre estes temas, convidamo-lo a juntar-se à 3ª Edição da CATÓLICA-LISBON Family Business Day, no dia 29 de abril, das 14h às 18h. O evento reunirá líderes e especialistas, porque a melhor forma de quebrar mitos, é ouvir quem os superou.