A França atravessa uma fase de elevada instabilidade política, marcada por sucessivos governos de curta duração e uma crescente polarização social. Esta instabilidade não é apenas institucional: ela reflete uma profunda transformação demográfica e tecnológica, agravada por sucessivos choques económicos globais. O país parece encurralado entre promessas populares irrealistas e restrições orçamentais.

A dívida pública francesa ultrapassa os 110% do PIB nominal, quando em 2019 se situava abaixo dos 100%. As políticas de confinamento, os apoios sociais durante a pandemia criaram um patamar de despesa pública do qual o país não conseguiu recuar. Em 2024, o défice orçamental atingiu 6,1% do PIB, violando os limites do Tratado Orçamental europeu. O governo liderado por François Bayrou, sem maioria parlamentar e com legitimidade política dúbia, apresentou um plano de ajustamento ambicioso para reduzir o défice abaixo de 3% até 2029 As medidas incluíam cortes significativos já em 2026, mas o plano foi rejeitado com o chumbo de uma moção de confiança, algo quixotesca, na Assembleia Nacional, revelando a fragilidade do executivo e a resistência transversal às políticas de contenção.

A reforma das pensões tornou-se um dos temas mais divisivos da política francesa. O sistema de repartição em que os trabalhadores ativos financiam os pensionistas está sob forte pressão devido ao envelhecimento da população. A queda da taxa de natalidade e o aumento da esperança média de vida criam um desequilíbrio estrutural: há cada vez menos contribuintes para cada reformado. O modelo, outrora símbolo de solidariedade intergeracional, revela-se hoje insustentável.

A deterioração da relação entre ativos e pensionistas exige contribuições crescentes por parte dos trabalhadores e das empresas. A transição para um modelo de capitalização é politicamente impopular e tecnicamente complexa. os cidadãos e os partidos que os representam têm posições antagónicas e irreconciliáveis, o que contribui para uma enorme fragmentação na Assembleia Nacional.

Um dos paradoxos mais gritantes da economia francesa é o facto de, em muitos casos, os rendimentos dos pensionistas superarem os dos trabalhadores: ativos. Pensões generosas, fruto de décadas de relativa prosperidade, contrastam com uma estagnação salarial persistente. Esta inversão da lógica social das pensões desincentiva o trabalho, sobretudo entre os jovens, que se sentem penalizados por um sistema que não lhes oferece justiça nem segurança.

Com uma despesa pública que representa cerca de 58% do PIB, França tem um dos Estados mais pesados da Europa. O setor público é fonte de rendimento para uma parte significativa da população, o que torna qualquer tentativa de contenção orçamental maioritariamente impopular. A resistência às reformas não é apenas ideológica é estrutural. A imigração, essencial para garantir a produção de bens e serviços numa economia envelhecida, tornou-se um tema explosivo. A tensão entre a necessidade de mão de obra e a rejeição social da imigração é uma contradição que França não consegue resolver politicamente. Esta ambivalência agrava a polarização.

A crise francesa é multifacetada: dívida crescente, défice persistente, envelhecimento populacional e desequilíbrios sociais exigem reformas profundas. No entanto, a fragmentação política torna esse caminho democraticamente inviável. O Presidente Macron, incapaz de construir maiorias parlamentares estáveis, deveria aceitar os resultados das eleições legislativas de 2024 como expressão legítima da vontade popular.

Tal como aconteceu na Grécia, partidos com propostas irrealistas podem ascender ao poder, mas não conseguem governar com as suas bandeiras se essas propostas forem financeiramente inviáveis. Muitos eleitores só aceitam medidas impopulares após testemunharmos o fracasso das alternativas populares.

Um dos paradoxos mais gritantes da economia francesa é o facto de, em muitos casos, os rendimentos dos pensionistas superarem os dos trabalhadores ativos.

A crise francesa é multifacetada: dívida crescente, défice persistente, envelhecimento populacional e desequilíbrios sociais exigem reformas profundas.

 

João Borges de Assunção, Professor na CATÓLICA-LISBON