Como fica então o país depois das eleições de 18 de maio? Exatamente como antes: um Governo minoritário que gerirá diariamente a realidade, desafiando quotidianamente a Oposição a derrubá-lo.
Certas tolices nunca morrem. Quando, na noite das eleições de 18 de maio, André Ventura afirmou que “o Governo de Portugal depende do Chega e só do Chega”, cometeu o mesmo erro lógico de Álvaro Cunhal a 25 de abril de 1975, falando de “maioria de Esquerda” após as primeiras eleições constitucionais. Passados 50 anos, o paralogismo continua evidente: um partido antissistema não pode querer fazer parte do sistema. Os eleitores do Chega, como então os do PCP, são contra o Governo, qualquer que ele seja. Nunca aceitarão ver o seu partido apoiar uma solução alheia de poder.
O puro “voto de protesto”, de quem não gosta do que está e não se interessa em propor alternativas, sobe naturalmente em períodos de crise e transformação, como o atual. Esta atitude eminentemente negativa, por muito irresponsável que seja (afinal todos temos de continuar a viver no tal regime odiado), nunca deve ser interpretada como positiva. Quem vota nos partidos antissistema não os quer ver a tratar dos problemas, porque tal os tornaria tão abomináveis quanto o abominado Governo.
Prova evidente disto é o desastre sofrido pelos comunistas quando, 40 anos depois das primeiras eleições, e 10 depois da morte de Cunhal, finalmente se realizou a tal “maioria de Esquerda”, no governo da chamada “geringonça”. Então, não só as políticas marxistas nunca foram realmente aplicadas, mas a Extrema-Esquerda (PCP e BE) arruinou a sua influência, descendo dos 34 deputados de 2015 para os quatro que tem hoje. Próximos do poder, deixaram de ser partidos de queixa, e entregaram o facho da contestação a outras forças.
O que isto significa é que, para a governação concreta do país, os deputados do Chega, tal como os da Extrema-Esquerda, são realmente irrelevantes. É muito desagradável que mais de 30% do parlamento apenas manifeste contestação; mas, por isso mesmo, irão ocupar a legislaturas com protestos retóricos e números mediáticos, para fingir a relevância que realmente nunca terão. Porque no dia em que a tiverem, perdem a única razão dos votos que receberam.
Como fica então o país depois das eleições de 18 de maio? Exatamente como antes: um Governo minoritário que gerirá diariamente a realidade, desafiando quotidianamente a Oposição a derrubá-lo; a qual, se cair na armadilha de o fazer, sofrerá os respetivos custos, como o PS desta vez. Foi assim em metade dos nossos governos constitucionais, vigorando em 40% do tempo desta democracia.
Claro que isso impedirá as famosas “reformas estruturais”; mas essas não existem há décadas, e também estiveram ausentes durante vários dos governos maioritários. Seria importante realizá-las, mas os bloqueios que as impedem são muito mais profundos que a composição parlamentar. Os poderes setoriais e os grupos de pressão, que realmente controlam a opinião pública e os partidos, sabem bem como impedir as mudanças que os afetariam. São eles que há muito tempo mantém o país como está. Isso viu-se bem nas últimas campanhas eleitorais, onde ninguém falou das tais reformas, mas ocuparam-se exclusivamente a prometer benefícios míticos para as tais forças instaladas.
Boa parte do descontentamento visível nas eleições de 2025 veio do esfumar da última grande fantasia política. Talvez já não se lembre, mas o país devia estar agora a viver os últimos maravilhosos anos da “última oportunidade” dos fundos europeus, com o prodigioso Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Políticos de todas as cores prometeram que todos iríamos receber muitos milhões da “bazuca europeia”, criando melhorias espantosas, múltiplos empregos e um crescimento económico espetacular. Será que se viu alguma dessas coisas? Desde que o dinheiro começou a entrar já caíram dois governos e a economia não acelerou.
Terminado este interlúdio eleitoral, podemos voltar à rotina anterior. Vale a pena lembrar que, apesar de todos os problemas, e são muitos e graves, somos um país rico, com uma economia a crescer e uma dívida pública em redução. Afinal, felizmente, a maior parte daquilo que realmente interessa depende, não do Governo e do Parlamento, que se perdem em embates, insultos, sonhos e ilusões, mas da sociedade e da economia, que todos os dias lidam com a realidade.
João César das Neves, Professor da CATÓLICA-LISBON