As lideranças de protesto têm um longo passado histórico. Surgiram em períodos de crise, de opressão ou de grandes transformações sociais, para desafiar o poder, a ordem social dominante e contestar as instituições. São lideranças que se afirmam à margem das estruturas tradicionais (embora possam estar institucionalizadas), com discursos de rutura e grande capacidade de mobilização social. A história está recheada de exemplos: a revolta dos escravos liderada por Spartacus, na Roma Antiga, Thomas Muntzer, o teólogo da revolução que encabeçou a "Guerra dos Camponeses", no séc. XVI, as lutas contra o absolutismo e o colonialismo personificadas por Robespierre e Simón Bolivar, são alguns casos entre tantos outros. Eram lutas mobilizadas por líderes camponeses, profetas visionários, patriotas radicais ou cidadãos revoltados.
Com a era industrial surgem as lideranças de protesto contra o capitalismo industrial e as condições de trabalho. Ganham especial significado as lutas sindicais e o anarquismo revolucionário representado por figuras como Emma Goldman e Luis Blanquis. Nos nossos dias, a liderança de protesto tem múltiplas expressões, apoiada nos meios de comunicação e nas redes sociais, associada a uma diversidade de causas políticas, sociais e ambientais. Podem ser lideranças personalizadas, mediáticas e transitórias como Alexei Navalny e Greta Thunberg, personalidades excêntricas como Beppe Grillo, lideranças partidárias integradas no sistema, como Marine Le Pen, mas também incluem as lideranças discretas de movimentos inorgânicos como a de Priscillia Ludosky com os Coletes Amarelos.
No passado recente, as lideranças de protesto estavam centradas nos movimentos sindicais e de esquerda radical, que lutavam pela melhoria das condições de trabalho, contra o capitalismo liberal e as desigualdades sociais. Nos últimos anos, o protesto deslocou-se para a extrema-direita e cresceu, em particular na Europa, com o aparecimento de movimentos como o Rassemblement Nacional, de Marine Le Pen, a Alternativa para a Alemanha, de Alice Weidel, a Liga, de Matteo Salvini, em Itália, o Partido da Liberdade para a Áustria, de Herbert Kickl , o Partido da Liberdade de Geert Wilders, no Países Baixos, o Vox, de Santiago Abascal e o Acabou-se a Festa, de Alvise Péres, em Espanha, e o Chega, de André Ventura. As lideranças de protesto à esquerda têm perdido relevância política. Segundo dados do Authoritarian Populism Index-2024, a percentagem de votos, na Europa, dos partidos da extrema-esquerda com assento parlamentar, era de 7,3%, enquanto a extrema-direita atingia os 17,3%.
Estas lideranças canalizam a insatisfação popular com o funcionamento do sistema político, com os partidos tradicionais e o desempenho das democracias liberais. Propõem alternativas de rutura com as instituições e a "purificação" do sistema político, com o regresso à expressão direta da voz popular. São uma representação simbólica da indignação com as instituições políticas e os seus atores. Exprimem o inconformismo coletivo com o status quo, reclamam-se de uma forte autoridade moral e assentam a sua influência na mobilização emocional da opinião pública.
Apesar das muitas especificidades, as lideranças de protesto à direita apresentam algumas características em comum. Contestam as instituições da democracia liberal, os rótulos ideológicos e o papel dos média tradicionais, propondo uma refundação moral da política e das instituições. São movimentos centrados na figura carismática do líder que utiliza um discurso simples, direto e polarizador, com uma distinção clara entre o povo, "nós", e os "outros". Têm uma elevada capacidade de mobilização através de ações e narrativas impactantes. Geram identificação pela proximidade da linguagem e trazem para o espaço público os sentimentos de indignação vividos na esfera pessoal. A forte presença nas redes sociais promove a participação direta no debate e cria "bolhas fechadas" de opinião que acentuam a polarização.
Nestas lideranças a conexão com as bases não se faz pelos quadros ideológicos tradicionais, com estratégias reformistas ou planos de ação concretos. Faz-se pela identificação com as experiências do cidadão comum, e pela ressonância e amplificação de sentimentos de revolta, injustiça, abandono e decadência moral. É uma relação direta e emocional, apoiada em "bandeiras agitadoras" de forte efeito mobilizador.
A ligação emocional com os seguidores apoia-se em três temas com profundo significado existencial: a indignação com as injustiças do sistema político e com a crise moral das elites (quebra da ligação ao povo e corrupção), a insegurança física e psicológica associada às mudanças sociais (imigração e alterações demográficas), e a perda da identidade cultural e dos valores tradicionais (língua, história, família, crenças e moral social).
O facto de a ligação às bases de apoio ser essencialmente emocional é a principal razão pela qual algumas destas lideranças não apresentam programas políticos abrangentes e detalhados que levariam ao veredicto do eleitorado. O caracter vago, ambíguo ou mesmo contraditório do discurso, objeto de frequentes críticas, pode ser uma vantagem: permite-lhes atingir um conjunto mais amplo do eleitorado, não ficam vinculadas a compromissos específicos, podem posicionar-se com mais flexibilidade e oportunidade na dinâmica da vida política, reforçam a vertente emocional da comunicação e, ao mesmo tempo, permite que lhes sejam atribuídas competências não validadas.
Estas lideranças não têm vocação de governo, mas enfrentam um dilema: continuarem a mobilizar o protesto com bandeiras de causa e perderem a credibilidade por não apresentarem soluções, ou assumirem compromissos programáticos, integrarem governos e serem avaliadas pelo eleitorado, correndo o risco de perder a identidade e a ligação emocional às bases. É o preço que podem pagar por passarem do protesto à responsabilidade. Este dilema faz das lideranças políticas de protesto um fenómeno transitório? Os próximos tempos, em Portugal, vão ser um laboratório para testar esta tese.
Luís Caeiro, Professor na CATÓLICA-LISBON