Facebook, Instagram, Reddit, Spotify, Snap, TikTok, YouTube, Google, Apple, Microsoft, Airbnb, Netflix… são apenas algumas das inúmeras empresas que atuam no digital e que de alguma forma se afastaram, e aos seus negócios da Rússia, por oposição formal à invasão sobre a Ucrânia. É um passo que se espera firme. Que dure o que tem de durar. Até que a justiça e a liberdade sejam repostas. Mas as guerras, como sabemos, não se ganham numa batalha apenas.
Se a lista de empresas que se isolou da Rússia (de forma talvez mais correta será dizer de Putin) é enorme, também este último já foi tomando iguais decisões. Mas não foi na semana passada. E sim de há vários anos para cá. Comecemos pela própria Ucrânia.
Aqui, a guerra digital propriamente dita “já dura há oito anos”, como explica o vice-ministro para a Transformação da Informação da Ucrânia, Oleksandr Bornyakov, em entrevista ao Techcrunch. “Eles (Rússia) têm-nos atacado constantemente ao longo de todo este tempo e até hoje nós nunca respondemos; limitámo-nos a defender”. E se ao longo dos anos foi desenvolvendo uma Armada do IT especializada em cibersegurança, hoje complementa a mesma com trabalhos em critpomoedas, forma importante para adicionar mais financiamento para apoio às populações e tropas (100Ma angariados à data por via digital, de onde 25Ma por essa via).
Por cá, no nosso distante retângulo, também todos temos ouvido falar de ciberataques. Sobretudo este ano, desde que a 2 de janeiro a Impresa foi um dos alvos mais mediáticos. Mas não o único. Outras empresas de renome se seguiram. E provavelmente alguns escutaram dos seus CTO este ou aquele episódio sobre ameaças e ataques efetivos ocorridos. Até nos poderosos EUA, onde juntar democratas e republicanos é sempre difícil, desta vez se conseguiu fazê-lo já no início de março, aprovando em conjunto um pacote de cibersegurança para proteger as infraestruturas críticas de ciberataques que ameacem a economia do país.
Um outro lado menos visível, e que já reportámos na CNN Portugal, tem a ver com a desinformação. Outro lado da guerra. Não é o habitual ataque que tenta vilipendiar contas bancárias, ou aceder e expor dados, ou pedir resgates e apagar arquivos das bases de dados – mas é criar caos, informação contraditória, descredibilizar informação verosímil e fontes críveis, suscitar dúvida para originar desinteresse, afastando as pessoas do tema, ou provocar ofensas e virando-as umas contra as outras.
Enquanto milhares morrem e milhões fogem, na UE dão-se passos cautelosos para não se pisarem riscos que deem razão a Putin de que estão efetivamente a atacar a Rússia, com receio de um alargamento da guerra para cá das fronteiras da Ucrânia. Agir com medo nos últimos anos, assobiando para o lado, infelizmente já se provou o resultado que dá…
Tomemos como provável que será difícil acreditar numa invasão da Ucrânia a ficar resolvida em pouco tempo, achando que se tratou de um arrufo. Não vai. A resistência pode prolongar-se num conflito de anos. E pela primeira vez vamos dividir o jornalismo de guerra que testemunha os acontecimentos no local com TikToks animados a música, tweets improváveis e reels e stories de Instagram a confundir sobre o que de facto ali se passa. Se a guerra de guerrilha se prolongar, trazendo casos e imagens de ataques de parte a parte, os bons e os maus vão-se misturar. Num dia os maus atiram. E noutro veremos os bons a atirar também. E matarão mesmo. E as imagens vão mostrar.
Continuarão as empresas listadas acima comprometidas? Serão vistas nesse dia como apoiantes dos maus ou dos bons? E quem são os bons afinal? Ainda está claro? Já estamos confusos… o tempo que já lá vai…
A memória tende a criar do passado mais distante uma imagem difusa, pouco nítida, até confusa, ao invés da que vivemos ontem e sobretudo hoje, que é ainda vívida e que impacta diretamente na opinião pública e nos comentários que chegam às redes sociais das marcas e à caixa registadora das mesmas.
Esperemos que, com o tempo, não se perca a essência da causa e não se revertam decisões porque afinal “as coisas já não são bem como eram” e, na dúvida, volte tudo mais ou menos ao que estava com soluções de compromisso.
Não sei se os clientes entendem bem a diferença entre a tecnologia A e B, se sabem de que país é originária, ou se se lembram do nome do CEO. Mas tenho a certeza de que nenhum cliente esquecerá o nome de uma marca cobarde e interesseira.
Ricardo Tomé, Docente na CATÓLICA-LISBON