O novo orçamento quase não tem efeito nas empresas. Claro que persiste a retórica, e enche-se o olho com a redução da taxa de IRC em um ponto percentual e de 0,3 pontos percentuais nas taxas marginais do 2º ao 5º escalão do IRS, além do reforço do Complemento Solidário para Idosos em 40 euros. Mas qualquer pessoa percebe que, face ao habitual, são trocos. Este ano as empresas podem ignorar o OE sem prejuízos.
Qual o impacto do Orçamento de Estado (OE) para 2026 sobre as empresas? Antes de analisar a questão, é bom começar por notar o insólito dela. Por que razão as empresas se devem preocupar com documentos governamentais como o OE? Economia não é política e política não é economia. É normal que os dirigentes e jornalistas, que se acham o centro do mundo, apregoem estes diplomas como decisivos; realmente, porém, as empresas têm muito mais com que se preocupar e não deviam perder tempo a decifrar algo que, na sua natureza, apenas lida com o funcionamento financeiro das instituições públicas.
Infelizmente, em Portugal, devido ao narcisismo endémico dos governantes (e também à menoridade atávica dos cidadãos), os orçamentos públicos costumam ser muito mais do que isso. Supinamente convencidos da virtude das suas intervenções, sucessivos Governo mostram-se incapazes de entender que o melhor que podiam fazer às empresas era deixá-las em paz (e muitas empresas adoram parasitar o Estado).
Assim, cada vez que sai um OE, costumamos ter apensos uma reforma fiscal, uma reestruturação regulamentar, um caderno de benesses para grupos influentes e inúmeros outros efeitos que vão muito para lá da função própria do documento. Chama-se a isso “política orçamental” e obriga as empresas a atender a algo que lhes devia ser estranho, mas que acaba por perturbar seriamente a sua ação a vários níveis.
É precisamente aqui que OE de 2026 se mostra notável: por uma vez, isso está largamente omisso. O novo orçamento quase não tem efeito nas empresas. Claro que persiste a retórica, e enche-se o olho com a redução da taxa de IRC em um ponto percentual e de 0,3 pontos percentuais nas taxas marginais do 2º ao 5º escalão do IRS, além do reforço do Complemento Solidário para Idosos em 40 euros. Mas qualquer pessoa percebe que, face ao habitual, são trocos. Este ano as empresas podem ignorar o OE sem prejuízos.
A proposta tenta ser o mais anódina possível, certamente devido à fragilidade institucional de um governo minoritário, consciente que o debate orçamental constitui o ponto mais perigoso do ano político. Trata-se de uma versão, em tom menor, do OE do ano passado. Tem um excedente mais pequeno, um crescimento quase igual, e na generalidade dos termos, limita-se a seguir a corrente. A prova mais eloquente desta atitude é o facto de “invariante” ser a palavra mais repetida (sete vezes) no Quadro 3.2. do Relatório (p. 44), intitulado “Principais medidas de política orçamental com impacto em 2026”. A política orçamental para 2026 é invariante.
É preciso ainda dizer que, apesar disso, estas contas do próximo ano podem considerar-se frágeis, num ambiente global tão incerto e com um cenário de base algo otimista. As previsões do documento para o crescimento nominal do próximo ano estão cerca de 0,35 pontos percentuais acima da generalidade das outras instituições o que, não sendo escandaloso, é suficiente para assombrar um excedente orçamental de apenas 0,1% do PIB. O quarto saldo positivo consecutivo, algo que deve ser considerado histórico nesta democracia, será o mais vulnerável de todos.
Num orçamento tão discreto, talvez o elemento mais relevante para as empresas seja o que não está no OE de 2026. Todos ainda se devem lembrar da euforia com que a nossa economia e os eleitores foram embalados há poucos anos: o mito do PRR, a “última oportunidade” para uma maravilha de crescimento em Portugal, graças aos fundos estruturais. Ora 2026 é o último ano desse programa e a tal maravilha ainda ninguém a viu.
Pode dizer-se que o melhor quanto aos mitos é esquecê-los. De qualquer maneira as empresas sensatas já deviam saber que não se pode acreditar nas tolices de governantes incapazes de entender que o melhor que podem fazer às empresas é deixá-las em paz. Mas existe um ponto a que devem atender: bem ou mal aplicados, eficazes ou desperdiçados, a verdade é que nestes anos, desde 2021, largos milhões tem vindo a ser injetados por cá, empolando a economia. O crescimento dos últimos anos, mesmo se medíocre, foi alimentado com esses fundos. É boa ideia as empresas começarem a preparar-se para a ressaca que virá quando, em breve, tal deixar de acontecer.
João César das Neves, Professor na CATÓLICA-LISBON