A Airbnb começou com um propósito ousado: “criar um mundo onde qualquer pessoa se possa sentir em casa, em qualquer lugar”.

Nos primeiros anos, essa noção de pertença moldava a cultura e as decisões da empresa. O foco estava em ajudar anfitriões e hóspedes a construírem ligações autênticas e a sentirem-se à vontade em locais desconhecidos.

Contudo, o rápido crescimento da Airbnb trouxe pressões crescentes para corresponder às expectativas dos investidores e expandir à escala global. Tal conduziu a uma série de concessões, à medida que as decisões começaram a priorizar o crescimento e o lucro à custa dos ideais. Como muitas empresas em expansão, a Airbnb teve dificuldades em preservar o espírito do seu propósito original.

O seu percurso ilustra uma realidade mais ampla: enquanto as start-ups incorporam e mantêm o propósito de forma natural, as empresas mais maduras enfrentam frequentemente desafios estruturais e estratégicos para manter esse mesmo alinhamento ao longo do tempo.

Para além da missão, visão e valores: o verdadeiro papel do propósito

Muitas empresas confundem propósito com missão, visão ou valores — mas são conceitos distintos. A visão define onde a empresa quer chegar, representando o seu objetivo de longo prazo. A missão descreve como pretende alcançá-lo, através das estratégias e ações que impulsionam esse progresso. Os valores estabelecem comportamentos esperados e normas culturais, orientando decisões e moldando o ambiente interno. O propósito, contudo, é mais profundo. Exprime a razão pela qual a empresa existe, refletindo a sua identidade central, moldada pelos valores e aspirações dos seus líderes e trabalhadores.

As organizações orientadas por um propósito claro atraem profissionais, clientes e investidores que procuram sentido para além dos resultados financeiros. As empresas que integram o propósito de forma autêntica não só apresentam um melhor desempenho, como também inspiram lealdade entre todas as partes interessadas.

Diversos estudos demonstram que, quando bem incorporado, o propósito melhora a retenção de talento, reforça as relações com os clientes e impulsiona os resultados financeiros. No entanto, o propósito precisa de ir para além de meras declarações: as empresas que não o integram no processo de decisão correm o risco de praticar o chamado purpose-washing — quando afirmações ambiciosas não se refletem em ações concretas. Num contexto em que o propósito é frequentemente tratado como parte do marketing, só um propósito autêntico e vivido gera, de facto, valor real.

Por que razão as start-ups acertam no propósito (e grandes empresas não)?

Antes de compararmos como diferentes empresas colocam o propósito em prática, é importante clarificar as duas dimensões analisadas neste estudo.

A primeira é a maturidade da empresa: start-ups, scale-ups (em fase de crescimento) e empresas estabelecidas.

A segunda dimensão é a estrutura de liderança, distinguindo entre empresas lideradas por fundadores e aquelas lideradas por CEOs externos. As duas dimensões são analisadas separadamente — uma start-up nem sempre é liderada pelo seu fundador, e uma grande empresa pode ainda contar com o fundador na liderança.

A análise revela três aspetos principais.

  • Em primeiro lugar, as start-ups incorporam o propósito com mais eficácia do que as empresas mais maduras, impulsionadas pela agilidade, estruturas menos complexas e uma liderança próxima da missão.
  • Em segundo lugar, as empresas lideradas por fundadores apresentam maior alinhamento do que aquelas com CEOs externos, que tendem a priorizar o desempenho financeiro.
  • Em terceiro lugar, à medida que as empresas crescem, manter o propósito torna-se mais difícil, exigindo reforço ativo através de mecanismos de governação, comunicação e integração nas operações.

 

Na prática, as empresas de maior dimensão enfrentam frequentemente barreiras estruturais e políticas. Por exemplo, a Patagonia teve de reforçar o seu compromisso ambiental à medida que se expandia, assegurando o alinhamento ao longo de toda a sua cadeia de valor. A própria Airbnb enfrentou dificuldades em sustentar o seu propósito de pertença durante o crescimento acelerado, enfrentando resistências em algumas comunidades.

De forma geral, o estudo que conduzimos mostra que, sem um esforço deliberado, o propósito tende a desgastar-se com o tempo — sobretudo em ambientes complexos e burocráticos.

Da teoria à prática: como medir o propósito nas organizações

Este estudo adotou uma abordagem de métodos mistos para analisar como o propósito corporativo é colocado em prática em diferentes fases de maturidade organizacional. Um inquérito realizado a 164 colaboradores — 49 de start-ups, 21 de empresas em crescimento e 84 de empresas estabelecidas — captou perceções sobre a integração do propósito. Adicionalmente, duas entrevistas com especialistas forneceram insights qualitativos sobre o papel da liderança na preservação do propósito.

A maturidade da empresa foi considerada a variável independente, classificando as organizações nestas três categorias para observar diferenças estruturais e culturais. A variável dependente, a concretização do propósito, mediu a perceção dos trabalhadores sobre a forma como o propósito está integrado na estratégia e nas operações, com enfoque no compromisso da liderança, alinhamento com os valores e integração nas decisões e avaliações de desempenho. A estrutura de liderança atuou como variável moderadora, distinguindo entre empresas lideradas por fundadores e aquelas com CEOs externos. A hipótese era que os fundadores, pela sua ligação direta à missão original, tenderiam a manter o propósito mais alinhado, enquanto os CEOs externos frequentemente priorizam metas operacionais e financeiras.

Os resultados confirmam que as start-ups se destacam na incorporação do propósito, devido à sua agilidade, estruturas mais adaptáveis e proximidade da liderança com a razão de ser da empresa. Empresas lideradas por fundadores demonstram maior alinhamento do que aquelas com CEOs contratados externamente, uma vez que os fundadores trazem um compromisso enraizado, difícil de replicar por líderes externos. À medida que as empresas crescem, o propósito necessita de evoluir — acompanhando as mudanças de mercado, transições na liderança e novos desafios organizacionais.

Com base nos resultados deste estudo, as empresas podem adotar três passos para incorporar o propósito de forma sustentável:

  • as start-ups devem institucionalizar o propósito desde cedo, para poder escalar sem perder a sua identidade;
  • as scale-ups devem implementar mecanismos de governação que reforcem o propósito nos processos e na cultura, assegurando a sua continuidade ao crescerem.
  • as empresas estabelecidas devem integrar o propósito em métricas de desempenho, decisões estratégicas e comunicação interna. Além disso, os líderes devem promover o propósito como um farol estratégico, garantindo alinhamento, transparência e integração entre áreas — de forma a evitar o purpose-washing.

 

Declarar um propósito é fácil, mas sustentá-lo é difícil. Sem ações concretas, transforma-se apenas em jargão corporativo. As start-ups têm a vantagem da agilidade, mas as grandes empresas precisam de ultrapassar a burocracia para fazer do propósito um verdadeiro pilar da sua estratégia. Não pode ser uma formalidade ou um exercício de branding; deve orientar decisões a todos os níveis. As organizações que alinham o propósito com as suas operações não apenas inspiram colaboradores e clientes, como também constroem resiliência e vantagem competitiva a longo prazo. Quando vivido de forma autêntica, o propósito permite que os profissionais tomem decisões alinhadas com os valores da empresa — mesmo em contextos incertos ou descentralizados.

O verdadeiro desafio que se impõe é: como deve o propósito evoluir com o tempo sem perder a sua essência? A resposta a esta pergunta definirá o futuro da liderança orientada por propósito.

 

Diogo Moraes, Research Fellow at CATÓLICA-LISBON Entrepreneurship Center

Nick Hellenkamp, Mestre em International Management da CATÓLICA-LISBON