O passado dia 24 de julho marcou o dia em que a Terra esgotou os seus recursos. O chamado Dia da Sobrecarga da Terra marca o momento em que esgotamos todos os recursos naturais que a Terra consegue regenerar num ano.
Este ano, a data chegou mais cedo do que nunca. E, como tem sido habitual, surgiram os habituais culpados: a agricultura intensiva, a pecuária, o consumo alimentar. Mas será justo apontar o dedo à agricultura?
A agricultura é, antes de tudo, uma resposta à necessidade humana mais básica: alimentar uma população em crescimento. Em 1950, o mundo tinha 2,5 mil milhões de pessoas. Hoje, somos mais de 8 mil milhões. Até 2050, estima-se que sejamos quase 10 mil milhões. Este crescimento populacional exige mais alimentos, mais calorias, mais proteína. E é precisamente isso que a agricultura moderna tem conseguido fornecer — com cada vez menos recursos por unidade produzida (o que também permite acesso a alimentos a preço mais acessível).
Eficiência e Inovação: A agricultura como solução, não como problema
A agricultura intensiva é frequentemente criticada por consumir água e terra. Mas o que raramente se diz é que é precisamente esta agricultura que permite produzir mais com menos. Graças à tecnologia, à mecanização, à irrigação eficiente, à biotecnologia e à agricultura de precisão, hoje produzimos mais alimentos por hectare do que nunca. A produtividade agrícola global duplicou desde os anos 60, enquanto a área agrícola cresceu apenas marginalmente.
A ideia romântica de que cada um deveria produzir os seus próprios alimentos no quintal ou na varanda pode parecer sustentável, mas é, na verdade, altamente ineficiente. Produção descentralizada consome mais água, mais terra (área) e mais trabalho por unidade de alimento (e não repõe os nutrientes da terra). A agricultura coletiva e tecnologicamente avançada permite economias de escala, otimização de recursos e menor desperdício.
Agricultura vs. outros setores
É verdade que a agricultura tem impacto ambiental. Mas é um dos setores económicos mais sustentáveis quando comparado com outros. Segundo a FAO, a agricultura representa cerca de 70% do uso global de água doce — mas essa água é usada para produzir alimentos, não para lavar carros ou encher piscinas.
Em termos de emissões de CO₂, o setor agrícola contribui com cerca de 18% das emissões globais, enquanto o setor energético e os transportes juntos ultrapassam os 60%.
Além disso, a agricultura é uma das poucas atividades económicas que pode ser regenerativa: práticas como agroflorestas, rotação de culturas, compostagem e agricultura regenerativa têm o potencial de sequestrar carbono, melhorar a biodiversidade e restaurar solos degradados.
Qualidade de vida também se planta
A população mundial não precisa apenas de comida. Precisa de qualidade de vida. E isso implica acesso a bens, serviços, cultura, mobilidade, saúde. Tudo isso consome recursos. Mas, entre todas as atividades económicas, a agricultura é das poucas que devolve valor ecológico ao planeta. Uma fábrica de cimento ou uma refinaria de petróleo dificilmente o faz.
Culpar a agricultura pelo esgotamento dos recursos da Terra é, no fundo, culpar o mensageiro. É ignorar que a agricultura responde a uma necessidade humana básica e crescente. É esquecer que a agricultura moderna é uma das áreas onde mais se tem investido em inovação sustentável. E é, sobretudo, um reflexo da ignorância urbana sobre o que é realmente produzir alimentos.
Do TikTok à terra: O papel da educação
Vivemos numa sociedade cada vez mais urbanizada e digital. Muitos dos que hoje criticam a agricultura nunca pisaram um campo, nunca viram uma vaca ao vivo, nunca semearam uma semente. A sua ideia de sustentabilidade vem de vídeos no TikTok ou de slogans em embalagens de supermercado.
O que falta à agricultura não é apenas água ou terra. Falta-lhe compreensão. Falta-lhe voz. Falta-lhe educação. Precisamos de uma população urbana mais informada, que saiba distinguir entre práticas agrícolas sustentáveis e mitos ideológicos. Que saiba que plantar um vaso de salsa na varanda é educativo, mas não é agricultura.
A Agricultura não é o problema — É parte da solução
O Dia da Sobrecarga da Terra deve ser um alerta. Mas não para culpar quem alimenta o mundo. A agricultura precisa de apoio, de inovação, de políticas públicas inteligentes — e de uma sociedade que a compreenda. Porque, no fim, sem agricultura, não há sustentabilidade. Nem humanidade.
Rute Xavier, Professora na CATÓLICA-LISBON