A Academy of Management como uma organização mais internacional: as lições de David Patient de um mandato no Conselho de Governadores

Segunda, Dezembro 2, 2019 - 12:57

“Como se gere uma coisa que parece estar a correr muito bem, desfrutando disso, ao mesmo tempo que se aceita que, se as coisas continuarem a ser feitas da mesma forma, daqui a 20 anos já não estaremos lá?” David Patient, investigador e director do CUBE, foi eleito para o Conselho de Governadores da Academy of Management em 2016. Agora que termina o seu mandato de três anos, David olha para o que mudou na Academy of Management, a maior associação profissional para especialistas em gestão, e para o impacto que este posto teve na sua carreira e na sua perspetiva do mundo. 

Nesta entrevista, David Patient conta como a Academy of Management está a envidar maiores esforços para refletir os diferentes interesses e perspetivas dos seus membros internacionais, e para expandir o seu alcance e o seu foco para lá das fronteiras da América do Norte, e qual foi o seu próprio papel em ajudar a que isso acontecesse enquanto investigador baseado em Lisboa, Portugal. 

Como descreveria as diferenças entre o momento da investigação em Gestão que se vivia quando foi eleito para o Conselho de Governadores e aquele em que estamos agora? 

Tem havido algumas tendências que se prolongaram no tempo, mas também houve alguns eventos que tiveram uma grande influência. Por exemplo, houve a proibição de entrada nos Estados Unidos [que decorreu de 27 de janeiro de 2017 a 16 de março de 2017], que foi algo que, a certo nível, ameaçou a operação habitual da Academia, e que ia contra os seus princípios. 

De que forma é que a proibição de entrada nos Estados Unidos, que ficou conhecida como “travel ban”, afetou a operação da Academia? 

De várias formas. Por um lado, um número relativamente pequeno de investigadores estrangeiros ficaram impedidos de participar na reunião anual da Academia, e foram imediatamente tomadas medidas para lhes permitir participar de outras formas. Por outro lado, houve um número bem maior de investigadores que poderiam deixar de se inscrever na reunião anual em anos seguintes devido à travel ban. 

Também houve reações fortes de pessoas que eram contra a decisão por motivos académicos e políticos, e que disseram que não estariam na reunião anual por essa razão. Assim, ganharam volume os pedidos para que houvesse encontros da Academia, incluindo o seu encontro anual, fora dos EUA. 

A Academy of Management está registada como uma organização caridosa e, por causa disso, não costuma tomar posições políticas - uma tradição que a Academia seguiu durante 80 ou 90 anos, o que inclui alguns períodos tumultuosos nos Estados Unidos. Depois da travel ban, foi tomada a decisão de mudar essa posição. A certo nível, acho que transformou a Academia numa organização que, embora acomode muitas nacionalidades, pontos de vista e estratégias, está mais disponível para defender abertamente os temas mais importantes para os seus membros. 

Neste período, a Academia tem vindo a mudar o seu foco de extremamente fixo na América do Norte para uma maior internacionalização. Como tem isto acontecido? 

É uma mudança que já está a acontecer desde que me tornei membro, há quase 20 anos. Neste momento, quase metade dos membros são internacionais, e maior proporção desses é europeia. Isso é uma grande mudança, mesmo comparado com há uma década. Também existia uma sensação, em termos do tipo de investigação que era bem recebida e apresentada na reunião da Academia, que a AOM tendia a ser norte-americana. A investigação era habitualmente mais quantitativa e mais positivista. Também neste aspecto a Academy of Management tem mudado. 

"A organização queria ter a perspetiva de investigadores e professores que vêm de escolas que são um pouco mais pequenas, que têm um equilíbrio diferente entre a investigação e o ensino do que algumas das maiores escolas americanas, onde algumas das tradições intelectuais são diferentes…"

Nos últimos anos, pela primeira vez, a Academia tem realizado conferências fora da América do Norte. Houve duas conferências pequenas, chamadas conferências especializadas. A primeira foi em Londres e a segunda em Telavive. A terceira é na Eslovénia e depois haverá outra no México. Estas conferências são mais pequenas do que a anual, mas são oportunidades para experimentar diferentes formatos e para levar a Academy of Management ao quintal das pessoas, à sua parte do mundo, em vez de lhes exigir sempre que vão à América do Norte. 

Isto tem sido parte de um esforço maior para atrair uma comunidade mais alargada à Academia. As primeiras duas conferências especializadas, a de Londres sobre Big Data e a de Telavive sobre Empreendedorismo, foram grandes sucessos. 

Existiam outros membros do Conselho que não trabalhavam na América do Norte durante o seu período neste órgão? 

Sempre houve alguns, diria eu. Estamos definitivamente na minoria. Há nove membros na direção, e depois há cinco pessoas que estão em rotação para a presidência da Acamedia. No total, o Conselho de Governadores tem 14 pessoas. A maior parte do tempo haveria dois ou três membros de fora da América do Norte. 

Que papel acha que podem ter os países que tradicionalmente são mais periféricos na mudança que se vive na AOM? 

Nalguns aspetos, Portugal poderia ser visto como um país periférico. No que toca à investigação em Gestão, creio que não é. Há escolas em Portugal que participam muito ativamente em diferentes áreas da investigação de Gestão, incluindo fazendo publicações em revistas de topo e participando nas conferências mais prestigiadas. Portugal não terá uma presença enorme, mas há algumas escolas que estão sempre presentes na Academia. 

Sem dúvida, parte da razão que levou ao meu convite para concorrer ao Conselho de Governadores foi o facto de poder trazer uma perspetiva internacional ou europeia. Estou bastante certo de que fui a primeira pessoa de Portugal, e talvez da Ibéria. A organização queria ter a perspetiva de investigadores e professores que vêm de escolas que são um pouco mais pequenas, que têm um equilíbrio diferente entre a investigação e o ensino do que algumas das maiores escolas americanas, onde algumas das tradições intelectuais são diferentes… 

Acho que os investigadores que vêm de Portugal, onde me incluo, podem contribuir para essa perspetiva. Concluí que a Academy of Management está muito aberta a isso. Quando tentamos pensar - “Como chegamos a novos membros na América Latina?; Como podemos atrair investigadore de Gestão de África?”, dois continentes muito pouco representados - olhar da perspetiva de uma escola em Portugal estamos um pouco mais perto, conseguimos antecipar alguns desafios e também encontrar algumas das soluções com maior facilidade do que se fossemos uma das 30 universidades em Boston, ou uma escola da Ivy League. 

Existe alguma coisa que leve destes três anos no Conselho de Governadores para as suas experiências profissionais e académicas futuras? 

Fiquei surpreendido e também honrado por poder concorrer para o lugar, e ainda mais surpreendido quando foi eleito. Em alguns aspetos foi um ponto alto da minha carreira, e, espero, também um momento de orgulho para esta escola e para as pessoas em Portugal que fazem o mesmo tipo de trabalho que eu. 

"Por causa disso, uma das coisas que têm sido particularmente reforçadas para mim é a importância do buy-in (apoio ou aceitação) dos membros, o que é mais importante ainda quando o trabalho é feito por voluntários. A razão de estarem a trabalhar é acreditarem nalguma coisa."

Aprendi várias coisas. Apesar de o Conselho de Governadores se reunir com pouca frequência em pessoa, quando o fazemos é muito intenso, porque há muitas decisões para tomar e muitos interesses para levar em conta. A Academy of Management é uma organização orientada para os seus membros, e tem mais de 20 mil, vindos de mais de 20 divisões que muitas vezes representam estratégias e discilplinas académicas diferentes, e muito do trabalho da organização é feito por voluntários. Precisa de haver uma direção, precisa de haver um Conselho que estabeleça uma estratégia e cuide da governância, mas a maior parte do trabalho é facilitar a ação destas divisões e envolvê-las, o que significa que quando o Conselho se reúne estamos muito ocupados e temos muitas decisões a tomar. 

Por causa disso, uma das coisas que têm sido particularmente reforçadas para mim é a importância do buy-in (apoio ou aceitação) dos membros. Quando se tem uma comunidade muito diversa, torna-se mais importante do que nunca que, quando uma decisão é tomada, as pessoas sintam que foram ouvidas - o que é mais importante ainda quando o trabalho é feito por voluntários. A razão de estarem a trabalhar é acreditarem nalguma coisa. 

Quando a travel ban foi instituída nos Estados Unidos, a Presidente da Academy of Management disse que não haveria forma de a organização, da forma como estava constituída, tomar uma posição política antes de mudar as suas regras internas, o que fez alguns meses mais tarde. Muitos membros não ficaram satisfeitos com esta decisão. Sentiram que, como muitas outras associações académicas, a Academia devia ter intervindo, e enviado cartas, e aparecido na imprensa. Em vez disso, a Academia foi mais lenta, mas fê-lo para conseguir aceitação, e para partilhar ideias, e para recolher imenso feedback. A Presidente na altura era Anita McGahan, professora da Universidade de Toronto. Creio que ela recebeu algo como dois mil emails de membros, e respondeu pessoalmente a cada um. Ao longo de duas ou três semanas, ela e o Diretor Executivo da Academy of Management trabalharam praticamente 24 horas por dia para responder, para pelo menos fazer os membros sentirem-se ouvidos. 

Que outra lição tirou do seu período no Conselho de Governadores? 

A Academy of Management tem sido muito bem-sucedida - foi criada antes da Segunda Guerra Mundial, tornou-se numa grande organização, tem reservas financeiras substanciais, publica as revistas científicas mais citadas em Gestão. Já chegou a um limite no que toca a crescer em termos de tamanho, mas acho que se pode afirmar com bastante confiança que, no que toca às áreas do estudo da Gestão que cobre, é a principal organização académica. 

"A Academia tem tentado de certa forma quebrar o seu modelo de negócio, e certamente melhorá-lo."

As coisas têm corrido bem até agora, e aquilo que me tem impressionado especialmente desde que faço parte do Conselho de Governadores é como existe uma concordância geral de que a organização precisa de mudar. Apesar de as coisas estarem a correr bem, a organização acredita que se continuar a fazer o que está a fazer da forma que o está a fazer, dentro de dez anos não estará ao serviço dos seus membros, e poderá até nem existir. 

Existem muitos tipos de conferências no mundo, diferentes modelos de publicação, e os membros têm expectativas muito diferentes, por isso por um lado a pergunta é: Como é que gerimos algo que parece estar a correr muito bem, aproveitando isso, mas também aceitando que se continuarmos a fazer as mesmas coisas da mesma forma, daqui a vinte anos já não estamos cá? Este é um desafio que enfrentam imensas organizações cujo passado tem sido ótimo, e apesar disso precisam de se mexer e de mudar antes que isso pareça urgente. 

Eu diria que, nesse aspeto, a Academia tem olhado bastante para o exterior. Passou por todo um exercício de planeamento estratégico, do qual fazia parte olhar para outras organizações semelhantes e posicionar-se em relação a elas. Descobriram que, em áreas diferentes, havia outras organizações muito mais fortes. A Academia tem tentado aprender com elas, de certa forma quebrar o seu modelo de negócio, e certamente melhorá-lo. 

Finalmente, existem algumas regras muito rigorosas para as reuniões na Academia, pelo menos para as do Conselho de Governadores. Existem certas práticas que eu gostaria de tentar trazer para outras áreas na minha vida profissional. Por exemplo, começávamos sempre as reuniões com uma leitura dos valores da Academia, da missão da Academia, e também com a leitura das regras com que todos tínhamos concordado sobre a forma de discutir os assuntos. 

Esta leitura da missão da Academia no princípio das reuniões tem um impacto grande na forma como elas decorrem? 

Para os novos membros, acho que é bastante poderosa. Só é poderosa se as pessoas de facto a seguirem, mas acho que fazer isto no príncipio de todas as reuniões enfatiza a sua importância. 

Alguns dos valores e práticas que são reforçados desta forma não são coisas que façamos sempre. Já estive em imensas reuniões onde as pessoas nem sempre expressam o seu desacordo de forma respeitosa e educada, onde as pessoas nem sempre se sentem seguras a exprimir opiniões diferentes, onde as pessoas não se comprometem sempre com os membros valores. Provavelmente porque os membros do Conselho mudam todos os anos - entram quatro pessoas novas e quatro pessoas saem - isto traz alguma continuidade. 

Mas é algo que me marcou mesmo, porque o que se cria é um lugar onde as pessoas sentem liberdade de falar. Existe muito conflito, mas na minha experiência ao longo dos últimos três anos tem sido sempre muito construtivo. Provavelmente tem de ser desta forma: quando as pessoas só se podem encontrar por alguns dias a cada três ou quatro meses, é preciso criar algumas regras, não só para aquilo de que se fala mas também para a forma como se fala. E aprendi muito com a forma como se fala no Conselho de Governadores da Academia.

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