Press News & Events

Greed is not good

Sexta, Julho 24, 2020 - 11:32
Publicação
Observador

Inteligência, Iniciativa e energia são essenciais, mas se não houver integridade, é mesmo preferível que os CEOs sejam burros e preguiçosos.

A Wirecard é a última empresa a entrar para o círculo infame de nomes como a Enron, a Worldcom, a Parmalat, ou a Espírito Santo Internacional, que cometeram fraudes contabilísticas em larga escala.

O maior choque, no caso da Wirecard, é que não era uma empresa americana, nem italiana, nem portuguesa, mas uma empresa alemã. E o estereótipo que temos das empresas alemãs é que colocam o rigor e a ordem acima de tudo e não são propensas a ser gananciosas.

Como é habitual nestes casos, a Wirecard foi um exemplo de sucesso. Orgulho das Fintech alemãs, a Wirecard é uma espécie de Paypal que processa pagamentos digitais. Desde a sua fundação, em 1999, a Wirecard foi imparável em termos de crescimento, passando a ser cotada na Bolsa de Frankfurt em 2005 e tendo comprado uma licença bancária em 2006. As primeiras suspeitas de irregularidades começaram em 2008, mas foram rapidamente abafadas com a contratação da auditora EY. Então, como é típico em empresas fraudulentas, a Wirecard entrou num ritmo frenético de aquisições, comprando, um pouco por toda a Ásia, pequenas empresas de pagamentos desconhecidas. Porquê? Porque as aquisições inviabilizam comparações contabilísticas entre anos, pois há muitos ajustamentos e good will.

No entanto, em 2015, a sorte da Wirecard chegou ao fim. O jornal Financial Times (FT) começou a levantar dúvidas numa série de artigos chamados The House of Wirecard e, mais uma vez, a Wirecard respondeu como se estivesse a seguir um manual de fraude: ameaçaram com processos judiciais, insinuando que o FT estaria a ser pago por especuladores, que, por sua vez, estariam a “shortar” a empresa, ou seja, a vender a descoberto para ganhar com a queda. Surpreendentemente, o mercado acreditou na empresa. Em 2018, a Wirecard alcançou um valor de mercado recorde com uma capitalização bolsista de 28 mil milhões de euros e até substituiu o Commerzbank no DAX30, o principal índice da bolsa alemã. O desempenho da Wirecard quase parecia bom demais para ser verdade … e era.

Em janeiro de 2019, o FT retomou a publicação de artigos sobre manipulação contabilística no escritório da Wirecard, em Singapura, e em vez de investigar as alegações, o regulador alemão, o BaFin, abriu uma investigação ao FT sobre manipulação de mercado e suspendeu a venda a descoberto das ações. Como é que era possível alguém ousar levantar suspeitas sobre a melhor Fintech alemã e europeia?

Finalmente, após uma mudança de auditores, da EY para a KPMG, de vários outros artigos publicados pelo Financial Times e de várias denúncias internas, foi descoberto um buraco de 1,9 mil milhões de euros nas contas. O que isso significava, é que quase 2 mil milhões de proveitos contabilizados nunca haviam sido reais. Finalmente, o CEO, Marcus Braun, considerado até então um gestor brilhante, foi preso, indiciado por fraude e libertado mediante pagamento de uma fiança de 5 milhões de euros. Mas, esta quarta-feira, dia 22, Braun foi novamente preso, a sua fiança revogada e a justiça alemã deteve também o CFO da Wirecard e responsável pela contabilidade da empresa.

Como é que isto aconteceu? A resposta óbvia é a ganância: a combinação entre ambição exagerada e arrogância, que impede alguns CEOs de admitirem que as perspetivas que vendem aos investidores são irrealistas e, com o passar do tempo, a diferença entre realidade e ilusão vai-se tornando cada vez maior.

É por isso que, quando Warren Buffet recruta um novo CEO, a característica número um que procura é a integridade. É claro que a inteligência, a iniciativa e a energia são essenciais, mas se não há integridade, as outras qualidades são contraproducentes. Se não houver integridade, é mesmo preferível que os CEOs sejam burros e preguiçosos.

Mas a integridade pode ser falsificada e a maioria das pessoas pode agir honestamente na maior parte das vezes. A dificuldade é agir com integridade diante de fracassos e resultados abaixo das expectativas, ter humildade para admiti-lo e estar disposto a arriscar perder a face, dinheiro e poder – coisas que normalmente definem um CEO. E o problema é que a ganância, que lhes deu energia para chegar aos píncaros, tolda-lhes o juízo e leva-os a destruir empresas inteiras, as poupanças de muitos investidores e as vidas de muitas pessoas que confiaram neles.

Ao contrário do que muitos de nós aprendemos no filme Wall Street… greed is not good.

 

Diogo Lopes Pereira, Professor da CATÓLICA-LISBON. 

Related Press News

03/01/2022 - 09:50
Observador
A história dos efeitos duma crise no emprego e no rendimento escreve-se olhando tanto para os empregos destruídos durante a crise como para os empregos criados durante a recuperação. Na passagem de ano comemos 12 passas e pedimos 12 desejos. Muitos...
28/12/2021 - 09:49
Jornal de Negócios
A conjuntura pandémica atual, que exibe um novo pico de infeções no final do mês de dezembro, mais as pressões inflacionistas que se sentem na Economia global são fontes importantes de preocupação e provavelmente serão tema de discussão na campanha para...