Os fins das crises são momentos de merecida celebração e mesmo excessos. Temos de ser compreensivos com os cidadãos e os vários níveis de poder que se entretêm em festas e eventos. Vale a pena celebrar as efemérides positivas, mas também o fim das coisas más. Contudo, muitas tragédias desnecessárias ocorrem nas viagens do final das festas.

Há um lado cíclico em todas as crises. Pelo menos naquelas que não destroem as sociedades e os Estados.

A celebração do fim das crises pela sociedade é saudável e ajuda a fazer a catarse dos anos de pedra. As crises na sociedade são sempre assimétricas, pelo que haverá sempre alguns oportunistas que beneficiam com elas. Algumas das maiores empresas mundiais são o fruto de grandes crises.

As sociedades estão esgotadas, mas potencialmente otimistas. E os líderes que estiverem no poder nessa altura terão um terreno invulgarmente aberto para tentar implementar as suas ideias. É por isso crucial que esses líderes circunstanciais tenham um sentido de bem comum e as ideias certas. Isso é verdade a nível dos países, mas também é verdade a nível de empresas e instituições. Há uma oportunidade para refazer regras e rotinas.

A aversão à mudança é em geral menor porque a maioria quer deixar a memória da crise para trás e participar no esforço de reconstrução.

Como o sistema de controlo institucional está também fragilizado há uma maior tendência para mudanças revolucionárias e transformadoras aproveitando o poder acrescido de quem está sentado na cadeira do poder. E como há uma sede de ação e reconstrução, há um apoio acrítico das novas iniciativas.

As ideologias no poder têm assim um momento único para deixar a sua marca de forma duradoura. Mas a crise atual alterou de forma significativa a estrutura de poder na maioria das organizações. Pelo que há novos poderosos que escapam ao escrutínio habitual da sociedade e das organizações.

Tudo indica que em Portugal as instituições de poder pós-pandemia serão as mesmas do pré-pandemia. O principal risco é, assim, que o Governo aproveite a fragilidade da sociedade para avançar com o seu projeto ideológico. O Programa de Recuperação e Resiliência parece ser o instrumento que o Governo usará para selecionar vencedores e vencidos na sociedade. O controlo a esse programa não virá da sociedade civil – que quererá participar nos seus benefícios abraçando os valores sociais dominantes.

Na Alemanha, pelo contrário, haverá uma mudança de liderança neste outono com o fim do consulado de Angela Merkel. A nova liderança também encontrará uma sociedade alemã cansada e disposta a apoiar mudanças e reconstrução. Será normal que se vire mais para dentro, para os esforços internos, ou para os grandes temas internacionais. Em particular não terá necessariamente a mesma paciência ou interesse para com os projetos políticos de países como Portugal.

Desde a crise financeira de 2007 que a liderança da União tem sido exercida de facto pela chanceler Angela Merkel. Desde essa altura que ela é a líder prestigiada e influente quer na Europa quer entre as democracias desenvolvidas do mundo. A sua saída deixará um vazio que o seu sucessor não conseguirá ocupar depressa.

Vários líderes de outros países europeus tentarão ocupar esse vazio, mas dificilmente o conseguirão. A fragmentação e os grupúsculos de afinidades regionais ou ideológicos terão uma certa oportunidade de prosperar.

Portugal terá de viver pela primeira vez com o euro, uma dívida elevada, e uma União Europeia sem líder. As consequências desse cenário são mais difíceis de antecipar e recomendariam prudência a Portugal na gestão dos projetos públicos. Não seria a primeira vez que um Governo português interpretou erradamente as orientações de política económica vindas da União Europeia. Mas seria a primeira vez que o faria com um governo alemão menos experiente e prestigiado.

Os fins das crises são momentos de merecida celebração e mesmo excessos. Temos de ser compreensivos com os cidadãos e os vários níveis de poder que se entretêm em festas e eventos. Vale a pena celebrar as efemérides positivas, mas também o fim das coisas más. Contudo, muitas tragédias desnecessárias ocorrem nas viagens do final das festas.

João Borges de Assunção, Professor na CATÓLICA-LISBON