A integração dos supostos precários, além de ser um golpe baixo nas mais básicas regras de justiça e transparência, é também uma forma politiqueira de comprar votos e apoios à custa dos contribuintes.

Durante muitos anos os funcionários públicos em Portugal tiveram remunerações um pouco mais baixas do os trabalhadores equiparáveis no setor privado. A explicação para essa diferença salarial era a maior segurança. Um trabalhador no setor privado pode ser despedido ou o seu empregador pode abrir falência. Na Administração Pública não se correm estes riscos. Nestas circunstâncias, o equilíbrio no mercado de trabalho resulta numa situação em que as diferenças de salário compensam diferenças noutras características valiosas como é o caso da segurança no emprego.

No entanto, desde há 25 anos, pelo menos, que o equilíbrio se desfez e as condições de remuneração no setor privado e no setor público estão muito desalinhadas. Vários estudos feitos ao longo dos anos sobre remunerações em Portugal mostram que, em geral, para dois trabalhadores com as mesmas características como sejam género, idade, experiência e escolaridade, o trabalhador na função pública ganha mais do que ganharia no setor privado. Este resultado não é completamente universal, havendo algumas exceções como parecem ser exemplos os casos dos informáticos ou dos médicos e talvez algumas funções de topo na administração. Mas para a esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses, um lugar na função pública paga mais do que um lugar no setor privado. Se juntarmos a esta vantagem salarial a muito maior segurança no emprego, é fácil ver porque é que um lugar na função pública é uma das grandes ambições de tantos portugueses. O resultado é que qualquer vaga eventualmente aberta na função pública e posta a concurso tem um número de pretendentes verdadeiramente extraordinário. Isso acontece agora mas acontecia mesmo quando os níveis de desemprego eram substancialmente mais baixos.

Uma forma possível de eliminar o desequilíbrio entre os salários públicos e privados seria reduzir os primeiros. Mesmo que as remunerações para as vagas futuras abertas na função pública sejam substancialmente mais baixas, continuaria a haver um excesso de candidatos para quase todos os lugares e o Estado português continuaria a não ter dificuldades em recrutar pessoas qualificadas para a vasta maioria das funções de que necessita. As poupanças orçamentais seriam um contributo para a sustentabilidade das Finanças Públicas e do próprio Estado providência. Uma tal solução apagaria parte da discriminação que favorece funcionários públicos por comparação com os privados, embora permaneça uma discriminação dado que só os mais novos pagariam os custos de transição para a sustentabilidade financeira. Esta discriminação contra os mais novos já acontece no mercado de emprego em que os mais velhos têm empregos sem termo e os mais novos têm contratos a prazo.

No entanto, é muito pouco provável que alguma vez o Estado português queira equilibrar as remunerações entre o setor público e privado. O Estado não vai à falência da mesma maneira que as empresas. As três bancarrotas sofridas até agora em democracia, não foram acompanhadas por despedimentos dos funcionários públicos de carreira.

Miguel Gouveia, Associate Professor na CATÓLICA-LISBON.