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Ex-donos de Portugal

Saturday, September 29, 2018 - 17:34
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Diário de Notícias

Portugal anda anestesiado. Com crescimento na economia e paz social, graças à dinâmica externa e à instalação no poder das forças contestatárias, tudo parece ir pelo melhor. Mesmo factos escandalosos passam despercebidos. A entrevista do Expresso de 28 de Julho ao empresário Pedro Soares dos Santos, uma das referências da economia portuguesa, inclui afirmações contundentes, quase explosivas, que ficaram esquecidas. Já passou tempo suficiente para se dizer que o país está mesmo anestesiado.

A mais marcante, manchete em toda a imprensa, é: "Hoje não há banca portuguesa, acabou." Não devia isto ter gerado intensas emoções? Não seria motivo para repúdio indignado, sendo falsa, ou enorme alvoroço e profunda reflexão, se verdadeira? Ouviu-se apenas a mais ensurdecedora apatia nas salsas ondas do veraneio.

Não podia haver repúdio pela frase, porque o presidente da Jerónimo Martins tem indiscutivelmente razão. Toda a nossa banca relevante está em mãos externas, com excepção da pública Caixa Geral de Depósitos, que, como diz o entrevistado, anda "intervencionada". É mesmo verdade que "agora os bancos são todos estrangeiros, vivem de rácios que são decididos fora de Portugal, nada é decidido em Portugal". Assim, o que espanta é a falta de alvoroço e profunda reflexão à volta do facto, sabido por todos há muito.

A coisa fica ainda mais estranha lembrando que, precisamente esta questão, era prioridade central da política portuguesa há 30 anos. Quando em 1986 entrámos na CEE, a nossa banca estava nacionalizada há uma década e descapitalizada pelas sucessivas políticas de crédito barato para enfrentar as terríveis crises da época. Sendo evidente que se aproximava o mercado único, que surgiria em 1992, o perigo de captura do nosso sistema financeiro pelos grandes capitais externos era esmagador. Então os governos Cavaco Silva erigiram a objectivo central evitar que tal acontecesse.

Consequentemente, na segunda metade da década de 1980, os juros do crédito andaram muito acima dos dos depósitos, gerando enormes lucros bancários que permitiram a recapitalização. Era a época em que se dizia que a banca andava "a comer da indústria", sem ninguém lembrar que, nos dez anos revolucionários, a indústria comera fortemente da banca. O resultado foi que o grande crescimento da época permitiu aos bancos portugueses, sem problemas para a produção, resistir ao embate da adesão, vindo depois a prosperar no difícil mercado único.

Por que razão então, volvidos 25 anos do Tratado de Maastricht, se concretizou o desastre que se evitara na altura? A resposta, evidentemente, está nos horríveis erros cometidos em seguida, no caminho para o euro e primeira década na moeda única, épocas de furioso endividamento. Paradoxalmente, foi no meio de facilidades que se destruiu a independência da banca nacional, que fora defendida com sucesso nas difíceis condições de concorrência na adesão.

Este mistério também encontra resposta na entrevista de Soares dos Santos. Ao explicar por que razão este controlo externo da nossa banca é mau, o empresário dá o exemplo das dificuldades do seu grupo na viragem do século. Segundo diz, na altura foi o apoio do Eng. Jardim Gonçalves, então líder do BCP, que permitiu ultrapassar a circunstância que, sem isso, podia ter afundado as empresas. Hoje, os tais rácios decididos no estrangeiro tornam a situação "muito difícil para os empresários, não só ao nível do apoio como também da relação pessoal". Estas afirmações, se explicam bem a antiga prioridade dada por Cavaco Silva à nacionalidade da nossa banca, fornecem a pista decisiva para compreender o falhanço recente desse propósito.

Soares dos Santos relata um caso bem-sucedido, em que um bom empresário foi apoiado por um banqueiro competente num projecto sólido. Aquilo que afundou a nossa banca foram milhares e milhares de empresários incapazes que tiveram financiamento de banqueiros incompetentes para investimentos medíocres. Essas relações pessoais, e consequente falta de atenção aos rácios, levaram ao gigantesco malparado que ainda intoxica a nossa banca, criando a necessidade de capitais externos para evitar a derrocada. Assim, a situação actual, com falta de relações pessoais e excesso de atenção aos rácios, se tem defeitos evidentes, também traz vantagens claras. Ou não?

O aspecto permanente do processo é apatia nacional. O endividamento que afundou a banca, numa euforia de crédito irresponsável, adormeceu o país em prosperidade ilusória. Após a crise global, as reivindicações mantiveram-se, agora pagas pela venda de activos ao estrangeiro e pelo actual surto de crédito fácil, que de novo alimenta consumo e empola o imobiliário, apesar dos tais rácios estrangeiros. Aquilo que ainda não se viu desta vez é crédito para empresas e investimento, mantido em mínimos históricos.

Em 25 anos arruinou-se o país, carregando-o de dívidas, vendendo jóias e controle ao exterior, sem rumo sólido de desenvolvimento. Mas desde que se satisfaçam os interesses instalados, o país anda anestesiado.

João César das Neves, Professor Catedrático da CATÓLICA-LISBON.

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