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"Há o risco do brexit transladar para uma nova crise financeira"

Segunda, Janeiro 7, 2019 - 08:49
Publicação
Dinheiro Vivo

Em "A Vida do Dinheiro" desta semana, Nuno Fernandes afirma que existe um "défice de formação em gestão" nas empresas portuguesas.

O diretor da Católica Lisbon School of Business & Economics acredita que Portugal já não é visto pelos investidores como um país de risco, mas poderia estar com melhores indicadores, lamentando que não se consiga um excedente orçamental já este ano. Nuno Fernandes aponta ao Dinheiro Vivo e à TSF a falta de formação em gestão nas empresas como uma das causas para a perda de competitividade.

As últimas previsões de instituições como o Banco de Portugal para o crescimento português deixam alguma preocupação. Há ou não motivo para algum entusiasmo com as taxas de crescimento dos dois últimos anos da economia portuguesa?

A previsão de crescimento que anda em torno dos 2% penso que é realista e talvez até conservadora. No entanto não há grande razão para estarmos muito entusiasmados porque mesmo 2% ou 2,1%, costumamos andar a discutir décimas e a realidade é que Portugal cresce. Estamos a crescer a um nível razoavelmente baixo para o que deveria ser.

Foram criadas condições para aumentar o potencial de crescimento nos últimos anos?

Temos que ver o que se passou há 10 anos, a crise financeira que se iniciou com o colapso da Lehman Brothers, que teve uma crise financeira muito vasta no setor bancário, que rapidamente passou para uma crise de divisas e países. E os últimos anos foram muito marcados pelo fim dessa crise e pela recuperação, que a nível internacional estamos numa recuperação económica grande – estamos num dos maiores períodos de crescimento económico mundial de que há registo, sem interrupção. Temos aproveitado um bocadinho a boleia desse crescimento internacional, nomeadamente, dos nossos principais mercados de destino, mas não estamos ainda no patamar de crescimento em que deveríamos estar pois, ano após ano, o que sucede é que de cada vez que sai um indicador novo ou um ranking novo, Portugal é ultrapassado por algum país.

O que é que devia ser feito?

Há questões que têm a ver com o Estado e questões que têm a ver com as empresas e os empresários. No Estado tem vindo a ser feita uma trajetória de consolidação orçamental, que é meritória e que tem benefícios para o país, no entanto não têm sido feitos a nível do Estado grandes alterações em termos de burocracia, simplificação da máquina fiscal, e mesmo em termos de tributação temos bastante caminho para fazer. Mas aprendemos algumas coisas com esta crise e nestes últimos anos, nomeadamente aprendemos os perigos da dívida. A dívida pública ainda está a um nível muito elevado e devia estar bastante mais baixo, já tínhamos tido oportunidade para consolidar ainda mais o orçamento e isso pode ser um risco muito grande caso as taxas de juro subam, como é expectável que subam nos próximos anos.

Ainda olhando para o crescimento económico: as exportações têm sido um dos grandes motores de crescimento mas tudo aponta para um forte abrandamento nos próximos anos. Por onde é que podemos crescer? Que outra componente do PIB poderemos ter?

Para um pequeno país como Portugal, de uma economia aberta como é a zona euro, a exportação e o comércio internacional é fundamental para o desenvolvimento futuro. É verdade que as exportações têm crescido algo mas é preciso mais, é preciso que as empresas tenham alvos um bocadinho mais ambiciosos em termos de zonas de conforto. Os nossos principais mercados de exportação são confortáveis, como os mercados espanhol e angolano. E cada vez que há um problema num desses mercados obviamente sofremos muito. Temos muita concentração e estamos muito pouco diversificados como país em termos de perfil de exportações. Exportamos muito para os mercados mais próximos cultural e geograficamente, mas infelizmente a Europa é o continente que menos cresce a nível internacional. Há zonas do mundo que crescem muito, outras que crescem pouco e nós sistematicamente apostamos em exportar para as zonas que crescem pouco, logo vamos estar bastante limitados no nosso crescimento.

Portugal ainda é um país de risco para os investidores, mesmo depois de sair da categoria do lixo ou essa questão está completamente ultrapassada?

Penso que esta questão está completamente ultrapassada. Portugal não é um país de risco para investidores. E os indicadores, quer a nível de ratings, quer em termos de outros indicadores de mercado têm mostrado que estamos já a ser considerados como menos arriscados do que antes.

Se internamente os riscos já estão ultrapassados, externamente temos alguns que podem colocar problemas no futuro. Quais são para si os que mais podem afetar de forma negativa a economia portuguesa: o brexit, a política dos EUA…?

Talvez dois: o brexit e o aumento do protecionismo. O brexit, por um lado, tem contornos muito incertos, de como se vai desenrolar em várias vertentes. Tem vertentes comerciais, vertentes de recursos humanos, temos um grande número de portugueses a viver no Reino Unido e temos muita incerteza em saber o que vai acontecer a esses residentes. Mas na minha opinião há o risco de o brexit transladar para uma nova crise financeira. Londres é uma das principais praças financeiras da Europa e grande parte dos contratos financeiros estão aí sediados. Como é que esta transição vai ser feita quando temos um montante tão grande de contratos em libras e domiciliados no Reino Unido, é uma questão que não está totalmente resolvida e que me preocupa.

O Orçamento do Estado que acaba de entrar em vigor segue, como tem referido, uma trajetória de consolidação das contas públicas, ao mesmo tempo vai repondo algum rendimento. Parece-lhe o caminho correto? Há algo mais que pudesse ser feito?

O caminho direcionalmente é correto, é um caminho de consolidação das contas públicas e estamos na trajetória correta de ter em 2020 um superavit e isso é de saudar, embora não fosse expectável por muitos quando este governo tomou posse, mas acho que a direção é bastante positiva. Agora a velocidade deixa-me um bocadinho desanimado porque podia ter sido mais rápida esta trajetória de consolidação orçamental, nomeadamente para 2019 poderíamos já ter um superavit que não vamos ter. Um superavit era muito importante porque implicava começarmos a reduzir a nossa dívida pública em valor absoluto, porque cada vez que temos défice significa que estamos a pedir mais dinheiro emprestado ao estrangeiro. Ainda que em percentagem de PIB não seja maior, o valor absoluto da nossa dívida é.

Entretanto o fim do programa do BCE já tinha sido anunciado, foi concretizado agora. Pode causar alguma mossa a Portugal ou temos almofada suficiente para qualquer impacto que daí advenha?

Vou retomar a questão da dívida. O fim deste programa implica o aumento das taxas de juro, que é expectável que aconteça nos próximos anos. Neste momento as taxas de juro estão num nível anormalmente baixas, nunca houve na História taxas de juro tão baixas, portanto um voltar para a média de taxas de juro normais, de regimes estáveis, vai trazer-nos alguns problemas porque de facto com o volume de dívida que temos – é bom vermos as percentagens, mas também é bom vermos em números absolutos e aí cada português deve ao estrangeiro cerca de 25 mil euros. Um aumento de 1% nas taxas de juros, até provavelmente mais, significa que cada português vai ter de contribuir 250 euros a mais. O que quero dizer é que o aumento das taxas de juro vai aumentar o encargo financeiro do nosso Governo. Em 2018, se as taxas de juro tivessem estado na média desde a nossa adesão à zona euros, o défice orçamental nesse ano teria sido perto dos 3% e não os zero vírgula qualquer coisa.

Em qualquer caso estamos aqui em território desconhecido em termos de política monetária. Não se sabe o que vai acontecer nos próximos meses e anos. Ainda não se percebeu o que vai significar esta retirada de estímulos à economia…

Estamos em territórios mais ou menos virgens em termos de política financeira porque nunca tivemos nenhum período coma s taxas de juro anormalmente baixas como tivemos e que levaram a comportamentos muito bizarros. Taxas de juro negativas não é normal. Não é normal eu ter de pagar para ter o meu dinheiro no banco em vez de receber alguma coisa. Isto foge ao que está previsto nos vários modelos financeiros e macroeconómicos e à teoria, inclusivamente. Mas já temos algum precedente, nós vamos um bocadinho atrás dos EUA. Os EUA já começaram a aliviar a intervenção monetária e portanto já vimos qual é o impacto: diminuição da compra de dívida pública significa que há menos compradores e quando há menos compradores o preço vai subir, ou seja a taxa de juro vai subir.

Nos últimos dois anos o crédito malparado em Portugal desceu mais de 19 mil milhões de euros. Os bancos fizeram uma limpeza de balanço mas ainda têm 30 mil milhões para tratar.

Temos uma banca sólida neste momento? Temos uma banca mais sólida do que tínhamos há 5 ou 10 anos. Grande parte dos problemas que a nossa banca teve foram da qualidade da governação. Tínhamos bancos que estavam a ser geridos não necessariamente numa ótica de criação de valor mas numa ótica de interesses pessoais e corporativos. Esses problemas de governação é que ditaram grande parte dos problemas de crédito malparado em que nos encontramos e a crise de bancos que tivemos. Hoje estamos bastante melhor do que há 5 ou 10 anos.

As escolas de negócios portuguesas estão mais competitivas. Há 4 no ranking das melhores do Financial Times e a atrair cada vez mais estudantes internacionais. Que consequências espera desta crescente qualidade dos últimos anos das escolas de gestão portuguesas? Atrai mais capacidade de pensamento? Melhores estudantes internacionais?

Não vou generalizar as escolas todas mas vou dar a resposta que me parece adequado e na realidade que vivo, que é desde há um ano na Católica Lisbon. A nossa presença nos rankings internacionais e a liderança a nível nacional põe-nos num radar internacional. Este ano a nossa subida nos rankings traduziu-se um grande aumento no número de alunos internacionais. Neste momento temos mais de 50% de alunos internacionais nos mestrados, que é o nosso principal produto em valor, sendo que vêm de nacionalidades muito variadas. A principal nacionalidade é alemã, temos mais de 300 alunos no campus, o que torna bastante diferente a vida no campus.

A prazo isso pode significar melhor gestão nas empresas portuguesas?

Sem dúvida. A formação é um investimento fundamental para a sua competitividade porque falando um bocadinho em números macro: existe um défice em termos de formação em gestão em Portugal. Quando olhamos para indicadores internacionais de competitividade percebemos que Portugal investe seis vezes menos que a Holanda e 16 vezes menos que Espanha em formação em gestão. O impacto disto é que temos um défice de competitividade via gestão e quando não conseguimos entrar em cadeias de valor internacionais, que hoje são muito complexas, grande parte tem a ver com não estarmos capacitados a nível das principais empresas para entrar nestas cadeiras de valor internacionais e aí voltamos a fugir para os mercados confortáveis.

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