Press News & Events

Brexit: o feitiço do tempo

Sexta, Março 8, 2019 - 10:49
Publicação
Jornal de Negócios

Os britânicos estão a exportar o seu Feitiço do Tempo para o resto da Europa enredando-nos a todos num argumento cinematográfico de qualidade duvidosa. Para além da baixa verosimilhança.

Já escrevi três ou quatro crónicas sobre o processo do Brexit. Mas o assunto não sai da agenda e continua a condicionar a política económica na Europa. E é uma das zonas de bloqueio da situação política internacional.

Na próxima semana haverá mais uma votação importante sobre o tema no Parlamento britânico. Em rigor haverá três votações. E se nada acontecer o Reino Unido sairá da União Europeia no dia 29 de março. Aquilo a que já chamei um Péssimo de Pareto numa crónica anterior.

No dia 12 de março (terça feira) o governo britânico colocará à votação o plano B do acordo de saída da União Europeia. Esse plano não é conhecido dos deputados ou do público. E desconfio que nem o Governo britânico o conheça. Tudo indica que será muito parecido com o Plano A, que foi rejeitado por mais de 200 votos no dia 15 de janeiro. Nada de substancial terá mudado no documento nos últimos dois meses. Feliz a comparação do líder trabalhista britânico que diz que os sucessivos discursos da primeira-ministra lhe fazem lembrar o Groundhog Day (O Feitiço do Tempo na versão portuguesa). Um filme de culto de 1993 em que o herói acorda sempre no mesmo dia, numa terreola remota, fria e desinteressante.

Quem lê a imprensa britânica fica convicto que o Governo tornará a perder a votação da próxima terça-feira e a versão B do acordo, ainda desconhecida dos parlamentares com direito a voto, será novamente rejeitada.

Entraremos depois em território ainda mais confuso. No dia seguinte, quarta-feira, o Parlamento votará se o Reino Unido sairá da União Europeia sem acordo no dia 29 de março. Curiosamente não se sabe de que lado da votação estarão o Governo e o Partido Conservador. Ou seja, se pedirão que se vote por uma saída sem acordo. Ou se rejeitam essa possibilidade. Se o bom senso vingar, tudo indica que o Parlamento britânico rejeitará a saída sem acordo.

Ficaremos então, juridicamente, em terra de ninguém. Por um lado, a lei britânica obriga a sair da União Europeia no dia 29 de março. Mas por outro lado não haverá maneira de implementar essa decisão já que não há nenhum acordo aprovado, mas a saída sem acordo também está rejeitada. O leitor ficou confuso? Eu também.

Chegámos assim a quinta-feira, 14 de março, mas poderia ser qualquer outro dia tal como no Feitiço do Tempo. Aqui haverá uma terceira votação para decidir o aparentemente óbvio, o adiamento da data de saída do Reino Unido da União Europeia. O governo, qual jogador de poker, não informa sobre a duração do adiamento. Diz apenas que será curto. Mas não sabemos se é um mês, três meses, um ano ou dois anos. Adicionalmente poderão ser propostas emendas pelos deputados à duração desse adiamento.

Tudo indica que o adiamento será aprovado, se nos fiarmos na imprensa britânica de referência. Mas a duração desse adiamento é uma grande incógnita.

Já agora os restantes 27 membros da União têm de dar a sua concordância unânime ao adiamento. O que certamente farão, mas contrariados, por falta de paciência com os britânicos.

A língua portuguesa não tem boas expressões para o atual estado da governação no Reino Unido, talvez a democracia mais antiga do mundo. Mas poderíamos dizer em inglês: "a funny way to ran a country" com que o "Economist" brindou, adequadamente diga-se, o governo português em 2000.

A ambiguidade jurídica no Reino Unido extravasa para a União Europeia. Por exemplo sobre a participação ou não dos eleitores britânicos nas eleições para o Parlamento Europeu em maio. Ou mesmo o número de deputados dos vários países caso venham a participar. Note-se que o Parlamento Europeu tem 751 deputados dos quais 73 britânicos. Mas a lista preliminar para o próximo só reduziu o número em 46 para 705.

Os britânicos estão a exportar o seu Feitiço do Tempo para o resto da Europa enredando-nos a todos num argumento cinematográfico de qualidade duvidosa. Para além da baixa verosimilhança.

Não seria mais simples ao Governo britânico reconhecer a sua impreparação para sair no dia 29 de março? E agir em conformidade. Revogando o seu pedido de saída ao abrigo do artigo 50 do Tratado de Lisboa da União Europeia. E só o tornando a invocar depois de devidamente preparado, como fazem os países bem governados.

 

João Borges de Assunção, Associate Professor na CATÓLICA-LISBON.

Related Press News

03/01/2022 - 09:50
Observador
A história dos efeitos duma crise no emprego e no rendimento escreve-se olhando tanto para os empregos destruídos durante a crise como para os empregos criados durante a recuperação. Na passagem de ano comemos 12 passas e pedimos 12 desejos. Muitos...
28/12/2021 - 09:49
Jornal de Negócios
A conjuntura pandémica atual, que exibe um novo pico de infeções no final do mês de dezembro, mais as pressões inflacionistas que se sentem na Economia global são fontes importantes de preocupação e provavelmente serão tema de discussão na campanha para...