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Banca-tech, e o cliente no centro

Quarta, Maio 2, 2018 - 09:25
Publicação
Expresso

Quando liderava a Microsoft, Bill Gates costumava dizer que as empresas tinham muito a aprender através dos seus clientes insatisfeitos e que aquelas que não tiravam proveito dessas “lições”, acabavam por abrir espaço não só para os seus concorrentes, mas também para empreendedores disruptivos. E de facto, nesta linha de pensamento, os bancos criaram um gigantesco mercado para empreendedores à procura de clientes inconformados, principalmente após a crise financeira de 2008.

O mundo mudou significativamente após a crise económica e financeira de há uma década. E tanto a percepção, como a estabilidade do sector bancário, foram significativamente afetadas a partir desta altura. E isto criou uma mudança fundamental que é também comportamental, porque o sector da banca sempre foi muito protegido, fosse qual fosse o mercado, mas os clientes não. Os bancos, e a indústria financeira como um todo, funcionaram, até à crise financeira, sem um modelo baseado em customer centricity. A título de exemplo, nos fundos de pensões, a nível internacional, entre 50 e 60% da rentabilidade de longo prazo é paga em fees e custos das gestoras de activos. Com consequência, o cliente apenas fica com 40% da rentabilidade. No seguimento do colapso financeiro, e das consequências gravosas para a economia mundial, os clientes passaram a ser mais exigentes, mais informados, a questionar os fees que lhes são cobrados e o real valor acrescentado de diversos serviços do sector financeiro. Isto é válido para qualquer tipo de clientes, desde empresariais, a privados: passaram a exigir mais, convictos que pagam muito, mas recebem pouco.

Assim, e se disrupção passou a ser o termo do momento, o sector bancário estava maduro para ser “invadido”. Neste ambiente, surgiram as fintechs (startups especializadas em finanças), rápidas, dinâmicas, orientadas para a experiência do cliente e que estão a ser as protagonistas da maior transformação do mercado financeiro em décadas.

Estima-se que existam já mais de 12 mil fintechs em todo o mundo. Em 2017, o investimento global em fintech atingiu cerca de 25 mil milhões de euros refletindo a trajetória ascendente destas startups já que em 2016 o montante foi de aproximadamente 21 mil milhões de euros. Isto de acordo com os valores indicados na última edição do relatório “Pulse of Fintech” da KPMG, que monitoriza o investimento em fintech à escala global.

E os bancos estão receosos e têm razões para isso, porque nem todos sobreviverão. As instituições financeiras deixaram de ser elefantes, que resistem a qualquer abanão, para passarem a ser tartarugas, lentas, pouco dinâmicas, pouco inovadoras e avessas ao risco. A consultora Roland Berger, admitiu no início deste ano que os bancos podem vir a perder entre 25 a 40% do seu negócio. Para além disso, nem todos os negócios bancários têm a mesma rentabilidade. E será à partida a fatia mais rentável que será disputada pelos novos entrantes.

Para conseguirem sobreviver, os diversos atores no sector dos serviços financeiros terão de apostar nas competências, que precisam de mudar para a maioria destas entidades. É fundamental que apostem em competências de cooperação, não aversão ao risco, foco no cliente, e essencialmente em soft skills. E para ver o que o futuro nos reserva, é preciso olhar para além da Europa, nomeadamente para a Ásia, onde os desenvolvimentos na indústria financeira estão já bem mais avançados.

Novos desafios, novas competências

Os bancos que sobreviverem serão aqueles que assumirem e implementarem uma transformação radical nas suas competências internas. Não me refiro às competências técnicas, mas aquelas que estão diretamente relacionadas com a mudanças da organização, ou seja, a aposta na cultura de inovação e no customer centricity. E isto passa por uma alteração interna, mas também pela procura de novos profissionais que já tenham as competências necessárias para lidar com as exigências do mercado financeiro dos dias de hoje. Se a banca continuar a contratar recursos humanos com o mesmo perfil que contratava anteriormente, as mudanças não se dão. Muitas organizações financeiras estão a deixar de ter os profissionais que precisam para obter resultados no mundo atual.

De acordo com o relatório do “Future of Jobs do World Economic Forum”, há mudanças substanciais no Top 10 das competências que serão mais valorizadas em 2020, quando comparado, por exemplo, com o acontecia em 2015. Dentro de apenas alguns anos as competências mais requisitadas serão por ordem de prioridade: orientação para resolução de problemas complexos; pensamento criativo; criatividade; gestão de pessoas; colaboração com outros; inteligência emocional; julgamento e tomadas de decisão; orientação para serviço; negociação e flexibilidade cognitiva.

O crescimento dos negócios digitais está a mudar o mercado de trabalho, hoje premeia-se quem consiga ter em paralelo competências analíticas e relacionais e ao mesmo tempo consiga compreender o negócio. Claro que haverá profissionais que vão e estão a conseguir fazer essa mudança, mas muitos ficarão para trás. Entretanto, cada nova contratação é uma oportunidade para a banca se preparar para o futuro digital. É uma forma de adquirir melhor talento e uma organização mais flexível.

Outras indústrias e sectores conseguiram desenvolver novas competências apostando nestes soft skills, e fizeram-no de forma bem-sucedida. A banca tem que fazer também esse caminho sob pena de não sobreviver. Há, no entanto, uma dificuldade acrescida. É que os estudantes de topo já não vêm este sector como preferencial para desenvolverem as suas carreiras profissionais. São estes os sinais do mercado. E as investigações revelam que os millennials vão ser até 75% da força de trabalho em 2025. Como nativos digitais que são, esperam upgrades tecnológicos presentes no seu dia-a-dia laboral. Os profissionais de futuro, que a banca agora precisa, não querem trabalhar em locais que não sejam de ponta, não lhes deem oportunidade de aprender constantemente, crescer e inovar.

Por cá, nova revolução com a PSD2

Estava previsto entrar em vigor, logo no início do ano, a diretiva dos serviços de pagamentos revista, mais conhecida pela sigla anglo-saxónica PSD2. Ainda não entrou em vigor em Portugal, mas entrará seguramente este ano. A diretiva vai acabar com o monopólio que as instituições financeiras têm sobre a informação financeira dos seus clientes e sobre os serviços de pagamentos. Isto significa que qualquer empresa, devidamente licenciada, mas sem estar sujeita à pesada regulação financeira, pode (se os clientes bancários autorizarem) passar a ter informação sobre as contas bancárias das pessoas e não só, já que podem passar, também, a ter uma linha direta para iniciar transferências e pagamentos. Com esta nova diretiva vivemos uma “terceira vaga” de inovação na Internet - o momento a partir do qual as empresas tecnológicas e a Web penetram setores regulados, como o financeiro.

Mais uma vez, os bancos tradicionais podem e deverão juntar-se a este novo mundo, através de acordos com as fintech, por forma a acautelar uma parte do negócio. É que, com a diretiva, os particulares e empresas podem autorizar entidades terceiras a aceder diretamente às suas contas, a fazer um conjunto de operações, ou a propor-lhes serviços, sem que os bancos onde está depositado o dinheiro dos clientes possam travar esse acesso. Será por exemplo possível a um agregador, com acesso às contas de um cliente, saber que em Abril vence o seu seguro automóvel, e propor-lhe (em conjunto com parceiros da área) uma alternativa melhor do que a actual.

Mas estas novas possibilidades, também são úteis para os bancos que apanharem o comboio da inovação, até porque continuam a ser os únicos a poder conceder crédito, de acordo com a diretiva.

É preciso ver as fintech como parceiras na cadeia de valor

Quando as fintech começaram a surgir no mercado, houve quem acreditasse que poderiam vir a acabar com os bancos no futuro. Um cenário radical que hoje sabemos que não acontecerá. No entanto, as fintech vieram revolucionar o sector financeiro, e este não mais voltará ao que foi. Por isso a discussão deixou de ser sobre competição, para passar a estar centrada na necessidade de cooperação, de juntar sinergias. Assim, a colaboração entre os bancos e as fintech é essencial para o futuro da inovação nos serviços financeiros. Desta forma, as instituições financeiras tradicionais podem completar o fosso de talento e de tecnologia e as fintech ganham estrutura para desenvolver o seu negócio.

Até porque o próprio sucesso das fintech e das instituições financeiras, a longo prazo, depende da capacidade que tiverem para estabelecer uma colaboração mais estreita e definir um modelo de negócio que seja adequado. É isto mesmo que conclui o World Fintech Report 2018 divulgado no passado mês de março. As parcerias tornam-se importantes num contexto de maior exigência por parte dos clientes e maior concorrência, pela entrada de outros novos atores, como é o caso das bigtech – as grandes tecnológicas que não são players tradicionais de serviços financeiros, como é o caso da Google, Amazon, Apple, Facebook ou Alibaba – estas sim, podem vir a tornar-se os próximos elefantes.

Complementares entre si, as fintech e instituições tradicionais podem tirar partido das vantagens de cada uma. Por um lado, as fintech, que estão a redefinir a experiência dos clientes no setor financeiro através de uma abordagem assente na tecnologia e centrada nos clientes, podem complementar os atores tradicionais, que inicialmente consideraram substituir. Mas para que as parcerias tenham sucesso as duas partes têm de ultrapassar alguns obstáculos. As instituições tradicionais têm o desafio da agilidade já que mais de 70% dos gestores das fintech apontam a falta de agilidade como o principal obstáculo das instituições financeiras tradicionais. Por outro lado, a banca tradicional e outras instituições referem os impactos negativos em termos da perceção da confiança dos clientes, já que o World Fintech Report 2018 também demonstra que os clientes ainda confiam mais nas marcas das empresas tradicionais.

Para além das fintech, é fácil ver que empresas como a Amazon, ou Facebook, se estão a posicionar para entrarem em força na indústria financeira. A chinesa Ant Financial é a empresa de fintech mais valiosa do mundo. Com origem no portal chinês Alibaba, opera a Alipay, a maior plataforma de pagamentos móveis e online do mundo, além do Yu'e Bao, o maior fundo de mercado monetário do mundo. O que começou por ser um site de venda de produtos, avançou para pagamentos, e em poucos meses para gestão de activos financeiros. Tudo com grande segurança, e excelente reputação na sua base de clientes. E a Ant Financial, tem atualmente mais empréstimos ao consumidor do que o segundo maior banco da China. É ainda difícil prever, nesta altura, o que tudo isto vai significar para o negócio da banca, e quem serão os vencedores na corrida. Mas parece claro que os bancos tradicionais têm de reagir e reinventar-se para poder sobreviver. Os sinais são claros. Nem todos irão sobreviver, e apenas os mais ágeis, e capazes de se adaptarem, com comportamentos adequados, farão parte do futuro financeiro. Para isso, terão de implementar, com o apoio da gestão de topo, uma cultura de curiosidade, de inovação e foco no cliente, que por sua vez têm consequências visíveis em mudanças de processos, incentivos, e forma de colaborar.

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