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O efeito inebriante do poder

Thursday, November 30, 2017 - 19:29
Publication
Observador

A capacidade de exercer poder sobre terceiros parece ter um efeito semelhante ao consumo de álcool, toldando a capacidade cognitiva de distinguir o que está certo ou errado.

Temos vindo a assistir nas últimas semanas a um conjunto de comportamentos por parte de governantes e elementos da comunidade civil que penso poderá ser um resultado claro do “efeito inebriante do poder” e que merece ser discutido em mais detalhe. Em primeiro lugar, tivemos a declaração unilateral de independência da Catalunha. Este é um assunto especialmente interessante pois não é com frequência que observamos uma região Europeia a insurgir-se contra o seu estado soberano, a lutar por uma independência que todos temos dificuldade em compreender, exceto se formos catalães e estarmos a lutar ferozmente por uma hipotética independência.

Se refletirmos sobre o processo que levou à declaração unilateral de independência (e reforço unilateral pois este é um elemento de extrema importância), nada mais é que um desejo desmesurado de poder pelo Sr. Puigdemont. Apesar de uma fração significativa dos membros do parlamento Catalão se terem ausentando da sala como forma de protesto, os membros independentistas mantiveram-se na sessão e sem qualquer respeito pelo contexto democrático, decidiram avançar com a decisão de declararem a Catalunha independente, seguida do “hino da Catalunha independente” (porventura isto pode dar ideias às nossas diferentes regiões, a de criarem um hino próprio).

Foi uma situação tão caricata que penso nos faz questionar como é possível tal ter acontecido numa sociedade tão civilizada e democrática como a dos “nuestros hermanos” espanhóis. Mas afinal parece ser simplesmente um resultado do efeito inebriante do poder. À semelhança dos antigos lagares onde a uva antigamente era pisada e cuja fermentação libertava gases inebriantes, também o sentimento de poder é semelhante a estes lagares. Quanto mais poder se tem, maior é o seu efeito inebriante ilusivo e que em última instância pode levar à intoxicação e à tomada de decisões abusivas e sem respeito por terceiros.

Em segundo lugar, cerca de uma semana depois vieram a lume os acontecimentos da discoteca Urban Beach, local de grande preferência de adolescentes e/ou jovens adultos atraídos pelas famosas noites dos 16 anos e/ou 18 anos, e de imediato pensei que mais uma vez parece estarmos perante um exemplo claro do “efeito inebriante do poder”, onde um conjunto de seguranças por terem o poder discricionário de decidir quem entrava ou não no tão falado espaço noturno, sentiram-se livres e talvez até designados a cometer atos de agressividade contra outrem, com total desrespeito pelo bem estar destes. Parece aliás que seria prática corrente, com base nos inúmeros testemunhos posteriormente partilhados pelas redes sociais.

Em terceiro lugar, na semana passada parecer que alguém sentado em São Bento decidiu, de livre arbítrio, decidir que o Infarmed mudaria de residência, passando a ficar estabelecido no Porto. Diz agora o governo que era algo que já estava há muito decidido. Sendo verdade ou não, a questão é que parece que se tinham esquecido de informar todos os envolvidos, aqueles que diariamente trabalham naquela instituição. Num estudo realizado pelo Infarmed e cujos resultados estão disponíveis online, 95.9% dos colaboradores indicam que esta hipotética mudança terá um impacto negativo na sua vida pessoal e familiar, enquanto que 82.7% declaram não considerarem mudar-se para o Porto.

Acontece que depois de refletir um pouco sobre estes assuntos cheguei à conclusão que ambos descrevem fenómenos semelhantes: o efeito inebriante do poder. A capacidade de exercer poder sobre terceiros parece de facto ter um efeito semelhante ao consumo de álcool, toldando a capacidade cognitiva de distinguir o que está certo ou errado. E tal como o álcool e outras substâncias aditivas, esta possibilidade de exercer poder contra terceiros traz um prazer enorme aquele que o exerce, mesmo que o faça de forma arbitrária e sem qualquer fundamento razoável.

E isto pode explicar porque é que o Sr. Puigdemont, mesmo depois de observar a saída em banda de centenas de empresas da Catalunha, indiciando uma desgraça do ponto de vista económico, persistisse na sua ideia de insistir na independência unilateral da região. Era óbvio que estava cada vez mais a lutar sozinho, mas o poder de o conseguir fazer moveu-o a ir em frente, em direção a uma catástrofe anunciada, quase à semelhança do famoso livro do Gabriel Garcia Marquez. E isto porque o poder ou a perceção de ter a capacidade de decidir o destino de terceiros, tem um efeito afrodisíaco, de puro prazer. Muitos chamar-lhe-ão adrenalina, mas a adrenalina por definição é um fenómeno pontual e o prazer resultando do exercício de poder é algo muito mais predominante e de longa duração. E isto explica muitos fenómenos que temos vindo a observar nos últimos tempos. Não só o tão satirizado Trump, mas também Sócrates (não pus o Eng. propositadamente dado aparentemente se questionar agora se o Sr. é Engenheiro…), o Ricardo Salgado no antigo BES, o Zeinal Bava na antiga PT…. e pelos vistos os seguranças do Urban Beach, que se achavam impunes e com direito a violentarem, ao raiar da manhã e perante inúmeras testemunhas, alguns dos jovens que se encontravam à porta da discoteca.

Assim sendo, à semelhança dos avisos que apelam ao consumo moderado de álcool também devíamos como sociedade desenvolver campanhas apelando ao consumo moderado de poder, dado que também este parece que, quando em excesso, pode gerar todo um conjunto de comportamentos negativos…

Rita Coelho do Vale, Associate Professor na Católica Lisbon School of Business and Economics

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